A morte é apenas uma consequência da nossa maneira de viver. Vivemos de pensamento em pensamento, de sensação em sensação. Os nossos pensamentos e as nossas sensações não correm tranquilamente como um rio, «ocorrem-nos», caem em nós como pedras. Se te observares bem, sentirás que a alma não é algo que vai mudando de cor em gradações progressivas, mas que os pensamentos saltam dela como algarismos saindo de um buraco negro. Neste momento tens um pensamento ou uma sensação, e no seguinte aparece outro, diferente, como que saído do nada. Se deres atenção, até podes sentir o instante entre dois pensamentos, quando tudo se torna negro. Esse instante, uma vez apreendido, é para nós o mesmo que a morte.
Pois a nossa vida resume-se a definir marcos e a saltar de um para o outro, diariamente, passando por milhares de instantes de morte. De certo modo, vivemos apenas nos pontos de repouso. É por isso que temos esse medo ridículo da morte irreversível, porque ela é, em absoluto, o lugar sem marcos, o abismo insondável em que caímos. Na verdade, ela é a negação absoluta daquela maneira de viver. Mas isto só é assim quando visto da perspectiva desta vida, apenas para aqueles que não aprenderam a sentir-se de outro modo, a não ser de instante em instante. Chamo a isso o mal saltitante, e o segredo está apenas em superá-lo. Temos de despertar em nós a sensação de que a vida é algo que desliza tranquilamente. No momento em que isso acontecer, estamos tão próximos da morte como da vida. Já não vivemos - à luz dos nossos conceitos terrenos -, mas também já não podemos morrer, pois com a vida superámos também a morte. É o momento da imortalidade, o momento em que a alma sai da estreiteza do nosso cérebro para entrar nos maravilhosos jardins da sua vida.
Robert Musil, in O Jovem Torless
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