23.7.10

Os Dias Bons


Gosto imenso do trabalho deste fotágrafo: Marc Dumas

Porto da Barra
Copyright: © Marc Dumas
ver mais: Aqui

22.7.10

Ardemos de amor

.
Ardemos de amor por nós mesmos, todos nós, ateamos o fogo que nos consome - o nosso amor é o sofrimento para o qual a única cura é o nosso amor..."


in Está Tudo Iluminado de Jonathan Safran Foer

Os Dias Bons




O Teu Olhar nos Meus Olhos



Sempre onde tu estás
Naquilo que faço
Viras-te agarras os braços

Toco-te onde te viras
O teu olhar nos meus olhos

Viro-me para tocar nos teus braços
Agarras o meu tocar em ti

Toco-te para te ter de ti
A única forma do teu olhar
Viro o teu rosto para mim

Sempre onde tu estás
Toco-te para te amar olho para os teus olhos.

Harold Pinter in Várias Vozes

16.7.10

Os Dias Bons

.
The Beatles, Miami Beach, 1964
Foto de John Loengard
Copyright: © John Loengard
in LIFE magazine: February 28, 1964
.

A Única Alegria Neste Mundo é a de Começar

.

.../...
A única alegria neste mundo é a de começar. É belo viver, porque viver é começar, sempre, a cada instante. Quando esta sensação desaparece - prisão, doença, hábito, estupidez - deseja-se morrer. É por isso que quando uma situação dolorosa se reproduz de modo idêntico - parece idêntica - nada apaga o horror que tal coisa nos provoca. O princípio acima enunciado não é, portanto, próprio de um viveur. Porque há mais hábito na experiência a todo o custo do que na charneira normal aceite com o sentido do dever e vivida com entusiasmo e inteligência. Estou convencido de que há mais hábito nas aventuras de do que num bom casamento. Porque o próprio da aventura é conservar uma reserva mental de defesa; é por isso que não existem boas aventuras. Só é boa aventura aquela em que nos abandonamos: o matrimónio, em suma, talvez até aqueles que são feitos no céu.
Quem não sente o perene recomeçar que vivifica a existência normal de um casal é, no fundo, um parvo que, por mais que diga, não sente, sequer, um verdadeiro recomeçar em cada aventura. A lição é sempre a mesma: atirarmo-nos para a frente e saber suportar o castigo.
.../...
.
Cesare Pavese in O Ofício de Viver
.

15.7.10

Os Dias Bons


Porto da Barra 09
/ foto de Marc Dumas
Copyright: © Marc Dumas


No Verão

.
tiram-se centenas de fotografias em frente à estátua de Vasco da Gama, esse navegador português do tempo mítico que olha o Atlântico do seu olhar de pedra, como nós.
.

13.7.10

Os Dias Bons


James Dean / Foto by Roy Schatt /1954
Medium: Silver Gelatin Archival Fiber Print
Copyright: © Roy Schatt


.

Agiremos de acordo com esses princípios?

.
Muitos de nós somos verdadeiros heróis na forma como lidamos e enfrentamos cada dia.
Se todos os heróis têm causas, quais serão as nossas? Ainda as teremos?
De mim não sei dizer. Que causas serão as minhas? Em concreto, não sei. Talvez já só restem os sonhos: Gostaria que o mundo fosse melhor para todos, mais justo, mais solidário. Que todos pudessem ter acesso ao conhecimento e à liberdade da imaginação e da escolha. Que todos pudessem ter condições para observar a beleza e para sentir e viver o amor.
Todos sonhamos este tipo de coisas, mas será que é esse o caminho que tentamos seguir diariamente? Agiremos de acordo com esses princípios? Não andaremos todos alienados a sobrevalorizar áreas da nossa vida?
.
.

12.7.10

Os Dias Bons

.
"Marlon Brando with Cat" at his home in Los Angeles, California, 1954
Copyright:© Murray Garrett

Os Filisteus (in a Lei Seca )

.

Indivíduos de uma direita dogmaticamente «liberal», aliados a uma esquerda analfabeta, deram agora em atacar os artistas independentes. Armam-se em tontos, perguntando por que razão chamamos «independentes» a artistas «subsidiados», como se não percebessem que a «independência» é uma situação profissional, enquanto o «subsídio» é um modo de financiamento. Todos os artistas não vinculados a uma instituição são «independentes». Não existe nenhuma contradição entre isso e o facto de algumas artes precisarem de apoio financeiro, uma vez que não são sustentáveis apenas com a bilheteira. Dir-me-ão que devem ser pagos por mecenas, patronos, fundações? Óptimo, excelente, magnífico, eu também acho isso, assim a Lei do Mecenato funcione bem e os capitalistas mostrem um módico de apetência cultural. Mas claro que o discurso sobre os «independentes subsidiados», mascarado de indignação fiscal, é apenas o arremesso filisteu do costume. O velho ódio à cultura. O que a direita dogmática e a esquerda analfabeta querem é que tudo o que não dê lucro acabe de vez. Fazem-se de cosmopolitas, mas são uns taberneiros.
.

Pedro Mexia in a A Lei Seca - 7/12/2010

Um índio - Caetano Veloso

Um Índio

Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instante

Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias

Virá, impávido que nem Muhammed Ali, virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri, virá que eu vi
Tranqüilo e infalível como Bruce Lee, virá que eu vi
O axé do afoxé, filhos de Ghandi, virá

Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor, em gesto e cheiro
Em sombra, em luz, em som magnífico

Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto, sim, resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará, não sei dizer
Assim, de um modo explícito

E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio


letra de uma canção de Caetano Veloso

9.7.10

Os Dias Bons

John Garfield & Lana Turner
.
in LIFE MAGAZINE " Swimsuit-clad actors John Garfield and Lana Turner
romantically wading hand-in-hand in the frothing surf at Laguna Beach
in a scene scene fr. the movie "The Postman Always Rings Twice"
.

Povoamento

.

No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova Primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da Primavera
.
.
. Ruy Belo in Aquele Grande Rio Eufrates

8.7.10

Dama com Arminho

Leonardo da Vinci ( Vinci, 1452- Amboise, 1519)
.
(Retrato de Cecília Gallerani de 1485 foi encomendado por Ludovico Sforza)

De quantas graças tinha, a Natureza

De quantas graças tinha, a Natureza
Fez um belo e riquíssimo tesouro,
E com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.

Pôs na boca os rubis, e na pureza
Do belo rosto as rosas, por quem mouro;
No cabelo o valor do metal louro;
No peito a neve em que a alma tenho acesa.

Mas nos olhos mostrou quanto podia,
E fez deles um sol, onde se apura
A luz mais clara que a do claro dia.

Enfim, Senhora, em vossa compostura
Ela a apurar chegou quanto sabia
De ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.

Luís de Camões (1524-1580)

7.7.10

Beleza

Até quando poderemos somente apreciar a bela natureza sem que isso nos cause a impressão de sermos superficiais, indiferentes aos problemas humanos e oriundos de um velho mundo que, para o seu prazer, quis ver o que lá não estava?
.

Praia

.
Na luz oscilam os múltiplos navios
Caminho ao longo dos oceanos frios
.
As ondas desenrolam os seus braços
E brancas tombam de bruços
.
A praia é longa e lisa sob o vento
Saturada de espaços e maresia
.
E para trás de mim fica o murmúrio
Das ondas enroladas como búzios.
..
Sophia de Mellho Breyner Andresen
.

6.7.10

Os Dias Bons


As Amoras


O meu país sabe as amoras bravas
no Verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.
..
Sophia de Mello Breyner Andresen

5.7.10

Manoel de Barros, um grande poeta

Manoel de Barros, poeta brasileiro, nasceu no Beco da Marinha,
nas margens do Rio Cuiabá em Dezembro de 1916.
É advogado mas também fazendeiro e sobretudo poeta.
A sua primeira obra data de 1937: Poemas concebidos sem pecado.

in O Guardador de Águas


I

Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
- Imagens são palavras que nos faltaram.
- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
- Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo)
Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras.


II

Todos os caminhos - nenhum caminho
Muitos caminhos - nenhum caminho
Nenhum caminho - a maldição dos poetas.



III

Chove torto no vão das árvores.
Chove nos pássaros e nas pedras.
O rio ficou de pé e me olha pelos vidros.
Alcanço com as mãos o cheiro dos telhados.
Crianças fugindo das águas
Se esconderam na casa.

Baratas passeiam nas formas de bolo...

A casa tem um dono em letras.

Agora ele está pensando -

no silêncio líquido
com que as águas escurecem as pedras...

Um tordo avisou que é Março.

.../...


Manoel de Barros

2.7.10

Vinil




O que será ( À flor da pele)

.
O que será que será
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurando em versos e trovas
Que andam combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças, anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Que estão falando alto pelos botecos
Que gritam nos mercados, que com certeza
Está na natureza, será que será
O que não tem certeza, nem nunca terá
O que não tem conserto, nem nunca terá
O que não tem tamanho
.
O que será que será
Que vive nas idéias desses amantes
Que cantam os poetas mais delirantes
Que juram os profetas embriagados
Que está na romaria dos mutilados
Que está na fantasia dos infelizes
Que está no dia a dia das meretrizes
No plano dos bandidos, dos desvalidos
Em todos os sentidos, será que será
O que não tem decência, nem nunca terá
O que não tem censura, nem nunca terá
O que não faz sentido
.
O que será que será
Que todos os avisos não vão evitar
Porque todos os risos vão desafiar
Porque todos os sinos irão repicar
Porque todos os hinos irão consagrar
E todos os meninos vão desembestar
E todos os destinos irão se encontrar
E o mesmo Padre Eterno que nunca foi lá
Olhando aquele inferno, vai abençoar
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem juízo
.
Chico Buarque, 1976