28.9.11


Tsultemin MUNKHJIN (n. 1953)
Painting 173 (2003)

27.9.11

É Impossível que o Tempo Actual não Seja o Amanhecer doutra Era


É impossível que o tempo actual não seja o amanhecer doutra era, onde os homens signifiquem apenas um instinto às ordens da primeira solicitação. Tudo quanto era coerência, dignidade, hombridade, respeito humano, foi-se. Os dois ou três casos pessoais que conheço do século passado, levam-me a concluir que era uma gente naturalmente cheia de limitações, mas digna, direita, capaz de repetir no fim da vida a palavra com que se comprometera no início dela. Além disso heróica nas suas dores, sofrendo-as ao mesmo tempo com a tristeza do animal e a grandeza da pessoa. Agora é esta ferocidade que se vê, esta coragem que não dá para deixar abrir um panarício ou parir um filho sem anestesia, esta tartufice, que a gente chega a perguntar que diferença haverá entre uma humanidade que é daqui, dali, de acolá, conforme a brisa, e uma colónia de bichos que sentem a humidade ou o cheiro do alimento de certo lado, e não têm mais nenhuma hesitação nem mais nenhum entrave.

Miguel Torga in "Diário (1942)"

25.9.11


Winter, Venice, Italy
Copyright: © Stewart Halperin

A Europa





Avisto a Europa deste tapete à beira-mar, desta praia ocidental, esse luminoso arquétipo português e digo: a Europa é um campo de batalha, um lugar de guerra, frio e solidão. A presença e a notícia da morte foi trazida até aqui, ao grande Atlântico. Foi sobre as suas águas que se afundou a angústia mais pesada e se dispersou o sangue da culpa europeia. Viro-me para o oceano que me parece sempre novo e penso que a Europa é um lugar velho, ou melhor tudo o que é humano lembra a velhice, o tempo, a história. O profundo inútil. Tudo o que é humano tem aqui um passado carregado de inteligência, rancor, crime e por isso vergonha e insolência. Há um corredor com livros a perder de vista, romances, milhões de poemas, milhares de pinturas, iluminuras, há muros e casas museu que lembram a nossa convicção, instalações de arte que lembram o nosso crime, o horror. Milhares de formas de arte que deixam transparecer o que pensámos, o que sofremos e, no entanto, aqui chegados parece que nada disto nos serve. Como é que com tanto pensamento, tanta sabedoria chegámos aqui, a este impasse? É o fim de uma era. Pensa-se que o mundo é agora dos nossos filhos, dos que se inspiraram nas nossas formas, mas o mundo de hoje não é de ninguém, é do transitório, do inesperado. Apesar do dinheiro ainda nos alimentar, aqui e em tudo o mundo, uma vaga sensação de segurança, a ansiedade cresce no ocidente. A antiga Europa dos rios e dos bosques, ondulada de verde e neve é um palácio abandonado e há notícia que Zeus não voltará à praia.




Quem está à frente deste destino?





Vivemos todos os dias em suspenso. Parece que estamos à espera de uma declaração de guerra. Não uma guerra no sentido tradicional, mas uma outra cujo rosto ainda não está definido. Precisamos de um ponto de referência, algo que constitua uma linha de continuidade no futuro, já que tudo é incerto. Precisamos dos que não faltem à verdade, pois fomos, quase todos, absorvidos pela gravidade do virtual, por uma irrealidade que nos alimentou por décadas e que agora nos tomou. O real valor das coisas e dos princípios é de uma incerteza a crescer. Quem está à frente deste destino? Quem nos conduz? O que é que nos conduz? Teremos líderes capazes de compreender o desafio de a viragem que se impõe?

22.9.11

Os Dias Bons

família Obama, 2009 - fotografia de Annie Leibovitz 2009


19.9.11

Não se Reconquista o Amor com Argumentos


Não te esqueças de que a tua frase é um acto. Se desejas levar-me a agir, não pegues em argumentos. Julgas que me deixarei determinar por argumentos? Não me seria difícil opor, aos teus, melhores argumentos.
Já viste a mulher repudiada reconquistar-te através de um processo em que ela prova que tem razão? O processo irrita. Ela nem sequer será capaz de te recuperar mostrando-te tal como tu a amavas, porque essa já tu a não amas. Olha aquela infeliz que, nas vésperas do divórcio, teve a ideia de cantar a mesma canção triste que cantava quando noiva. Essa canção triste ainda tornou o homem mais furioso.
Talvez ela o recuperasse se o conseguisse despertar tal como ele era quando a amava. Mas para isso precisaria de um génio criador, porque teria de carregar o homem de qualquer coisa, da mesma maneira que eu o carrego de uma inclinação para o mar que fará dele construtor de navios. Só assim cresceria essa árvore que depois se iria diversificando. E ele havia de pedir de novo a canção triste.
Para fundar o amor por mim, faço nascer em ti alguém que é para mim. Não te confessarei o meu sofrimento, porque ele te faria desgostar de mim. Não te farei censuras: elas irritar-te-iam justamente. Não te direi as razões que tu tens para amar-me, porque não as tens. A razão de amar é o amor. Também não me mostrarei mais, tal como tu me desejavas. Porque tu já não desejas esse. Se não, amar-me-ias ainda. Mas educar-te-ei para mim. E, se sou forte, mostrar-te-ei uma paisagem que fará de ti meu amigo.

Antoine de Saint-Exupéry in Cidadela

18.9.11

Os dias bons



Porque é que os Homens não Compreendem as Mulheres


Tu estás convencida há vários anos de que eu não te compreendo. Esta é sempre a teoria das mulheres, que não são compreendidas, que não são queridas, que não são adoradas, as queixas montanhas grandes, queixas enormes, sempre a justificar uma infelicidade que lhes vem lá do fundo da criação do mundo, do útero, da terra, as mulheres reflectem o útero feminino da terra, um útero cheio de aflições, em conclusão, queixam-se de tudo então entre os quarenta e os cinquenta, esse útero funciona nas alturas, é um útero cósmico que já não é parte de uma mulher, pertence à mulher do mundo. Há muita verdade no que dizes, o homem desinteressa-se facilmente, depois do acto do amor, depois logo sacode as penas, arrebita, passa à frente, domina outro mundo, a mulher fica fechada, acanhada nesse encontro muito íntimo, nesse seu mais fundo dos fundos, na identidade uterina com a ideia da criação, da reprodução da génese, salta, salta, forma-se na mulher a visão do caos a que só ela pelo amor pode dar uma nova regra, pelo domínio da paixão, pela companhia, para isso tem de ser compreendida, ela julga que é compreendida, tem de justificar a sua infelicidade pela compreensão do amor, de um outro amor, a mulher busca no outro amor o amor definitivo, amor que nunca aparece, é o poder fantásmico de convicção, que rompe todas as barreiras, a mulher atira-se, não sabe onde nem como, é capaz dos maiores actos de heroísmo clandestino, aparece, vai, surge, abre-se, mostra o que é o amor, a sua entrega total.

Ruben A. in Silêncio para 4

14.9.11

Saudade

É por ti que regresso

Generosidade


"Não existe nobreza sem generosidade, assim como não existe sede de vingança sem vulgaridade."

Joseph Roth (Brody, 1894 — Paris, 1939)

Os Dias Bons

Jacqueline Bisset

A Disputa das Ideias


Temos cada vez mais tipos de ordem e cada vez menos ordem. (...) Depois de todos os esforços do passado, entrámos num período de retrocesso. Vê bem como as coisas se passam hoje: quando um homem importante lança uma nova ideia no mundo, ela é imediatamente apanhada por um mecanismo de divisão, constituído por simpatia e repulsa. Primeiro vêm os admiradores e arrancam grandes bocados, os que lhes convêm, a essa ideia, e despedaçam o mestre como as raposas a presa; a seguir, os adversários destroem as partes fracas, e em pouco tempo o que resta de um grande feito mais não é do que uma reserva de aforismos de que amigos e inimigos se servem a seu bel-prazer. O resultado é uma ambiguidade generalizada. Não há Sim a que se não junte um Não. Podes fazer o que quiseres, que encontras sempre vinte das mais belas ideias a favor e, se quiseres, vinte que são contra. Quase somos levados a acreditar que é como no amor e no ódio, ou na fome, em que os gostos têm de ser diferentes, para que cada um fique com o seu bocado.

Robert Musil in O Homem sem Qualidades


12.9.11

Uma outra Terra?


"HD 85512 ou Gliese 370 é uma estrela que se encontra a 36 anos-luz de distância. Tem um tipo espectral K, por isso é um pouco menos luminosa, menos massiva, mais fria, um pouco mais velha, e mais pequena que o Sol. É uma anã alaranjada.
Foi encontrado um planeta à volta dessa estrela que é uma Super-Terra. O planeta orbita a estrela a 0.26 UA, ou seja 1/4 da distância da Terra ao Sol – mas como a estrela é mais pequena então em termos relativos ele está para a estrela-mãe como Vénus está para o Sol. Poderá estar na parte interior da zona habitável da estrela. Outra informação relevante é que a órbita é quase circular, o que faz com que a temperatura esteja estabilizada. HD 85512b é 3,6 mais massivo que a Terra, deverá ser rochoso, e terá uma temperatura à superfície de cerca de 25ºC. O planeta poderá ter uma atmosfera com vapor de água, dióxido de carbono, e azoto (nitrogénio). Se o planeta tiver uma atmosfera com nuvens, então é provável que tenha água no estado líquido à superfície do planeta (lagos, rios, e oceanos). "



Links:
http://astropt.org/blog/2011/09/07/planeta-hd-85512b-e-habitavel/


http://www.nytimes.com/2011/09/13/science/space/13planet.html?ref=science

11.9.11

11 de Setembro



O Mundo Está Prestes a Rebentar

Não olhes.
O mundo está prestes a rebentar.

Não olhes.
O mundo está prestes a despejar a sua luz
E a lançar-nos no abismo das suas trevas,
Aquele lugar negro, gordo e sem ar
Onde nós iremos matar ou morrer ou dançar ou chorar
Ou gritar ou gemer ou chiar que nem ratos
A ver se conseguimos de novo um posto de partida.


Harold Pinter in Várias Vozes

2.9.11

Os Dias Bons

Claudia Cardinale em frente ao café "Les 2 Magots", Saint-Germain. Paris, 1961.
© Foto de Claude Azoulay.

daqui: http://imagesvisions.blogspot.com/

O Mundo é a Minha Representação


O mundo é a minha representação. Esta proposição é uma verdade para todo o ser vivo e pensante, embora só no homem chegue a transformar-se em conhecimento abstracto e reflectido. A partir do momento em que é capaz de o levar a este estado, pode dizer-se que nasceu nele o espírito filosófico. Possui então a inteira certeza de não conhecer nem um sol nem uma terra; mas apenas olhos que vêem este sol, mãos que tocam esta terra; numa palavra, ele sabe que o mundo que o cerca existe apenas como representação, na sua relação com um ser que percebe, que é o próprio homem.

Se existe uma verdade que se possa afirmar à priori é bem esta, pois ela exprime o modo de toda a experiência possível e imaginável, conceito muito mais geral mesmo que os de tempo, espaço e causalidade que o implicam. Com efeito, cada um destes conceitos, nos quais reconhecemos formas diversas do princípio de razão, apenas é aplicável a uma ordem determinada de representações; a distinção entre sujeito e objecto é, pelo contrário, o modo comum a todas, o único sob o qual se pode conceber uma qualquer representação, abstracta ou intuitiva, racional ou empírica. Nenhuma verdade é pois, mais certa, mais absoluta, mais evidente do que esta: tudo o que existe, existe para o pensamento, isto é, o universo inteiro apenas é objecto em relação a um sujeito, percepção apenas, em relação a um espírito que percebe, numa palavra, é pura representação.

Arthur Schopenhauer in O Mundo como Vontade e Representação