The Beatles, 1963
31.5.12
Uma Certa Quantidade
Uma certa quantidade de gente à procura
de gente à procura duma certa quantidade
Soma:
uma paisagem extremamente à procura
o problema da luz (adrede ligado ao problema da vergonha)
e o problema do quarto-atelier-avião
Entretanto
e justamente quando
já não eram precisos
apareceram os poetas à procura
e a querer multiplicar tudo por dez
má raça que eles têm
ou muito inteligentes ou muito estúpidos
pois uma e outra coisa eles são
Jesus Aristóteles Platão
abrem o mapa:
dói aqui
dói acolá
E resulta que também estes andavam à procura
duma certa quantidade de gente
que saía à procura mas por outras bandas
bandas que por seu turno também procuravam imenso
um jeito certo de andar à procura deles
visto todos buscarem quem andasse
incautamente por ali a procurar
Que susto se de repente alguém a sério encontrasse
que certo se esse alguém fosse um adolescente
como se é uma nuvem um atelier um astro
Mário Cesariny in Pena Capital
de gente à procura duma certa quantidade
Soma:
uma paisagem extremamente à procura
o problema da luz (adrede ligado ao problema da vergonha)
e o problema do quarto-atelier-avião
Entretanto
e justamente quando
já não eram precisos
apareceram os poetas à procura
e a querer multiplicar tudo por dez
má raça que eles têm
ou muito inteligentes ou muito estúpidos
pois uma e outra coisa eles são
Jesus Aristóteles Platão
abrem o mapa:
dói aqui
dói acolá
E resulta que também estes andavam à procura
duma certa quantidade de gente
que saía à procura mas por outras bandas
bandas que por seu turno também procuravam imenso
um jeito certo de andar à procura deles
visto todos buscarem quem andasse
incautamente por ali a procurar
Que susto se de repente alguém a sério encontrasse
que certo se esse alguém fosse um adolescente
como se é uma nuvem um atelier um astro
Mário Cesariny in Pena Capital
Excluídos
Quem comete um erro é
excluído; é fechado dentro de uma caixa. Quem está fora vê apenas a caixa. Mas
quem está fechado, excluído, consegue ver cá para fora. Vê tudo, vê-nos a todos.
Em cada compartimento há dezenas de caixas. Milhares de caixas por todo o
lado. A maior parte delas vazia. Outras têm lá dentro pessoas excluídas. Ninguém
sabe quais as caixas que têm pessoas.
As caixas são tantas que ninguém lhes
dá importância. Pode estar lá uma pessoa, até a que amas, mas nem olhas. Já não
produzem efeito. Passas por elas centenas de vezes.
Gonçalo M. Tavares, in Jerusálem
22.5.12
Proximidade
"Aquilo que se aproxima, não é a comunhão das opiniões, mas a consanguinidade
dos espíritos."
Marcel Proust
Marcel Proust
A Glorificação das Aparências
Não sei o que acontecerá quando formos todos
funcionários aureolados pela organização de aparências que acentua a satisfação
dos privilégios. A aparência vai tomando conta até da vida privada das pessoas.
Não importa ter uma existência nula, desde que se tenha uma aparência de
apropriação dos bens de consumo mais altamente valorizados. Há de facto um novo
proletariado preparado para passar por emancipação e conquistas do século. As
bestas de carga carregam agora com a verdade corrente que é o humanismo em foco
— a caricatura do humano e do seu significado.
Agustina Bessa-Luís in Dicionário Imperfeito
19.5.12
A Futilidade da Imprensa
Só quando se passa alguns meses sem ler os jornais e depois se
lêem todos em conjunto é que nos damos conta do tempo que perdemos com essa
papelada. O mundo andou sempre dividido em partidos - hoje mais que nunca - e o
jornalista, sempre que se prolonga uma situação indefinida, trata de seduzir
este ou aquele partido, alimenta dia após dia a sua inclinação ou a sua repulsa
por cada uma das facções, até que chega finalmente o momento em que os factos se
decidem. E o acontecimento passa então a ser admirado como se fosse coisa
divina.
Johann Wolfgang von Goethe in Máximas e Reflexões
Johann Wolfgang von Goethe in Máximas e Reflexões
14.5.12
13.5.12
Pensar o Amor
A verdade é amor — escrevi um dia. Porque toda a relação com o
mundo se funda na sensibilidade, como se aprendeu na infância e não mais se pôde
esquecer. É esse equilíbrio interno que diz ao pintor que tal azul ou vermelho
estão certos na composição de um quadro. É o mesmo equilíbrio indizível que ao
filósofo impõe a verdade para a sua filosofia. Porque a filosofia é um excesso
da arte. Ela acrescenta em razões ou explicações o que lhe impôs esse
equilíbrio, resolvido noutros num poema, num quadro ou noutra forma de se ser
artista. Assim o que exprime o nosso equilíbrio interior, gerado no impensável
ou impensado de nós, é um sentimento estético, um modo de sermos em
sensibilidade, antes de o sermos em. razão ou mesmo em inteligência. Porque só
se entende o que se entende connosco, ou seja, como no amor, quando se está
«feito um para o outro». Só entra em harmonia connosco o que o nosso equilíbrio
consente. E só o consente, se o amar. Porque mesmo a verdade dos outros — a
política, por exemplo — se temos improvavelmente de a reconhecer, reconhecemo-la
talvez no ódio, que é a outra face do amor e se organiza ainda na sensibilidade.
Vergílio Ferreira in Pensar
Vergílio Ferreira in Pensar
8.5.12
Falha
"No grande artista há uma falha a preencher e no pequeno uma
falha a compensar. O primeiro nunca o consegue."
Vergílio Ferreira (1916-1996)
Vergílio Ferreira (1916-1996)
Arte
"Só a arte permite a realização de tudo o que na realidade a
vida recusa ao homem."
Johann Goethe (1749-1832)
Johann Goethe (1749-1832)
Moon over Paris
Image Credit & Copyright: VegaStar Carpentier
O auto-esquecimento
A ânsia de uma orientação filosófica da vida nasce da obscuridade em que cada um se encontra, do desamparo que sente quando, em carência de amor, fica o vazio, do esquecimento de si quando, devorado pelo afadigamento, súbito acorda assustado e pergunta: que sou eu, que estou descurando, que deverei fazer?
O auto-esquecimento é fomentado pelo mundo da técnica. Pautado pelo cronómetro, dividido em trabalhos absorventes ou esgotantes que cada vez menos satisfazem o homem enquanto homem, leva-o ao extremo de se sentir peça imóvel e insubstituivel de um maquinismo de tal modo que, liberto da engrenagem, nada é e não sabe o que há-de fazer de si. E, mal começa a tomar consciência, logo esse colosso o arrasta novamente para a voragem do trabalho inane e da inane distracção das horas de ócio.
Porém, o pendor para o auto-esquecimento é inerente à condição humana. O homem precisa de se arrancar a si próprio para não se perder no mundo e em hábitos, em irreflectidas trivialidades e rotinas fixas.
Filosofar é decidirmo-nos a despertar em nós a origem, é reencontrarmo-nos e agir, ajudando-nos a nós próprios com todas as forças.
Na verdade a existência é o que palpavelmente está em primeiro lugar: as tarefas materiais que nos submetem às exigências do dia-a-dia. Não se satisfazer com elas, porém, e entender essa diluição nos fins como via para o auto-esquecimento, e, portanto, como negligência e culpa, eis o anelo de uma vida filosóficamente orientada. E, além disso, tomar a sério a experiência do convívio com os homens: a alegria e a ofensa, o êxito e o revés, a obscuridade e a confusão. Orientar filosoficamente a vida não é esquecer, é assimilar, não é desviar-se, é recriar intimamente, não é julgar tudo resolvido, é clarificar.
São dois os seus caminhos: a meditação solitária por todos os meios de consciencialização e a comunicação com o semelhante por todos os meios da recíproca compreensão, no convívio da acção, do colóquio ou do silêncio.
Karl Jaspers (1883 -1969) in Iniciação Filosófica
O auto-esquecimento é fomentado pelo mundo da técnica. Pautado pelo cronómetro, dividido em trabalhos absorventes ou esgotantes que cada vez menos satisfazem o homem enquanto homem, leva-o ao extremo de se sentir peça imóvel e insubstituivel de um maquinismo de tal modo que, liberto da engrenagem, nada é e não sabe o que há-de fazer de si. E, mal começa a tomar consciência, logo esse colosso o arrasta novamente para a voragem do trabalho inane e da inane distracção das horas de ócio.
Porém, o pendor para o auto-esquecimento é inerente à condição humana. O homem precisa de se arrancar a si próprio para não se perder no mundo e em hábitos, em irreflectidas trivialidades e rotinas fixas.
Filosofar é decidirmo-nos a despertar em nós a origem, é reencontrarmo-nos e agir, ajudando-nos a nós próprios com todas as forças.
Na verdade a existência é o que palpavelmente está em primeiro lugar: as tarefas materiais que nos submetem às exigências do dia-a-dia. Não se satisfazer com elas, porém, e entender essa diluição nos fins como via para o auto-esquecimento, e, portanto, como negligência e culpa, eis o anelo de uma vida filosóficamente orientada. E, além disso, tomar a sério a experiência do convívio com os homens: a alegria e a ofensa, o êxito e o revés, a obscuridade e a confusão. Orientar filosoficamente a vida não é esquecer, é assimilar, não é desviar-se, é recriar intimamente, não é julgar tudo resolvido, é clarificar.
São dois os seus caminhos: a meditação solitária por todos os meios de consciencialização e a comunicação com o semelhante por todos os meios da recíproca compreensão, no convívio da acção, do colóquio ou do silêncio.
Karl Jaspers (1883 -1969) in Iniciação Filosófica
3.5.12
Os Pássaros de Londres
Os pássaros de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam de esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres
quando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz razante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos
Mário Cesariny in Poemas de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam de esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres
quando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz razante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos
Mário Cesariny in Poemas de Londres
2.5.12
Há Dentro de Nós um Poço
Há dentro de nós um poço. No fundo dele é que estamos, porque está o que é mais nós, o que nos individualiza, a fonte do que nos enriquece no em que somos humanos. E a vida exterior, o assalto do que nos rodeia, o que visa é esse íntimo de nós para o ocupar, o preencher, o esvaziar do que nos pertence e nos faz ser homens. Jamais como hoje esse assalto foi tão violento, jamais como hoje fomos invadidos do que não é nós. É lá nesse fundo que se gera a espiritualidade, a gravidade do sermos, o encantamento da arte. E a nossa luta é terrível, para nos defendermos no último recesso da nossa intimidade. Porque tudo nos expulsa de lá. Quando essa intimidade for preenchida pelo exterior, quando a materialidade se nos for depositando dentro, o homem definitivamente terá em nós morrido.
Vergílio Ferreira in Conta-Corrente IV, 1986
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