Estes são os tempos futuros que temia
o teu coração que mirrou sob pedras,
que podes recear agora tão fundo,
onde não chegam as aflições nem as palavras duras?
Desceste em andamento; afinal era
tudo tão inevitável como o resto.
Viraste-te para o outro lado e sumiram-se
da tua vista os bons e os maus momentos.
Tu ainda tinhas essa porta à mão.
(Aposto que a passaste com uma vénia desdenhosa.)
Agora já não é possível morrer ou,
pelo menos, já não chega fechar os olhos.
Manuel António Pina in "Nenhum Sítio"
25.7.13
24.7.13
23.7.13
Liberdade
"Há dois labirintos do espírito humano: um respeita à composição do contínuo,
o outro à natureza da liberdade; e ambos têm origem no mesmo infinito. "
W. Leibniz
Os Amigos Infelizes
Andamos nus, apenas revestidos
Da música inocente dos sentidos.
Como nuvens ou pássaros passamos
Entre o arvoredo, sem tocar nos ramos.
No entanto, em nós, o canto é quase mudo.
Nada pedimos. Recusamos tudo.
Nunca para vingar as próprias dores
Tiramos sangue ao mundo ou vida às flores.
E a noite chega! Ao longe, morre o dia...
A Pátria é o Céu. E o Céu, a Poesia...
E há mãos que vêm poisar em nossos ombros
E somos o silêncio dos escombros.
Ó meus irmãos! em todos os países,
Rezai pelos amigos infelizes!
Pedro Homem de Mello in "Os Amigos Infelizes"
Da música inocente dos sentidos.
Como nuvens ou pássaros passamos
Entre o arvoredo, sem tocar nos ramos.
No entanto, em nós, o canto é quase mudo.
Nada pedimos. Recusamos tudo.
Nunca para vingar as próprias dores
Tiramos sangue ao mundo ou vida às flores.
E a noite chega! Ao longe, morre o dia...
A Pátria é o Céu. E o Céu, a Poesia...
E há mãos que vêm poisar em nossos ombros
E somos o silêncio dos escombros.
Ó meus irmãos! em todos os países,
Rezai pelos amigos infelizes!
Pedro Homem de Mello in "Os Amigos Infelizes"
17.7.13
Actividade
As pessoas necessitam de actividade exterior porque não têm actividade interior. Quando, pelo contrário, esta última existe, é provável que a primeira seja um aborrecimento muito incómodo, mesmo execrável, e um impedimento. Este facto também explica a inquietação daqueles que nada têm para fazer, e as suas viagens sem objectivo. O que os impele de país em país é o mesmo tédio que no seu país os congrega em tão grandes grupos que chegam a tornar-se divertidos. Recebi certa vez uma excelente confirmação desta verdade através de um cavalheiro de cinquenta anos que não conhecia, e que me falou de uma viagem de recreio de dois anos que havia feito a terras distantes e a estranhas regiões da Terra. Quando observei que por certo tivera de enfrentar muitas dificuldades e perigos, respondeu-me muito ingenuamente, sem hesitação nem preâmbulo, mas como se enunciasse simplesmente a conclusão de um silogismo: «Não tive um instante de aborrecimento».
Arthur Schopenhauer in 'Aforismos'
Arthur Schopenhauer in 'Aforismos'
15.7.13
De Quem é o Olhar
De quem é o olhar
Que espreita por meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando?
Por que caminhos seguem,
Não os meus tristes passos,
Mas a realidade
De eu ter passos comigo ?
Às vezes, na penumbra
Do meu quarto, quando eu
Por mim próprio mesmo
Em alma mal existo,
Toma um outro sentido
Em mim o Universo —
É uma nódoa esbatida
De eu ser consciente sobre
Minha idéia das coisas.
Se acenderem as velas
E não houver apenas
A vaga luz de fora —
Não sei que candeeiro
Aceso onde na rua —
Terei foscos desejos
De nunca haver mais nada
No Universo e na Vida
De que o obscuro momento
Que é minha vida agora!
Um momento afluente
Dum rio sempre a ir
Esquecer-se de ser,
Espaço misterioso
Entre espaços desertos
Cujo sentido é nulo
E sem ser nada a nada.
E assim a hora passa
Metafisicamente.
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
Que espreita por meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando?
Por que caminhos seguem,
Não os meus tristes passos,
Mas a realidade
De eu ter passos comigo ?
Às vezes, na penumbra
Do meu quarto, quando eu
Por mim próprio mesmo
Em alma mal existo,
Toma um outro sentido
Em mim o Universo —
É uma nódoa esbatida
De eu ser consciente sobre
Minha idéia das coisas.
Se acenderem as velas
E não houver apenas
A vaga luz de fora —
Não sei que candeeiro
Aceso onde na rua —
Terei foscos desejos
De nunca haver mais nada
No Universo e na Vida
De que o obscuro momento
Que é minha vida agora!
Um momento afluente
Dum rio sempre a ir
Esquecer-se de ser,
Espaço misterioso
Entre espaços desertos
Cujo sentido é nulo
E sem ser nada a nada.
E assim a hora passa
Metafisicamente.
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
11.7.13
O Homem e a Máquina
À técnica seria absurdo que a recusássemos, lhe
recusássemos a espantosa facilitação da vida, por mais que a essa vida ela
perturbe - como aos seus doutrinadores. Uma máquina é pura, desde a inocência
com que se nos revela, ou seja precisamente a exterioridade em que se nos dá.
Mas uma inocência é uma abertura à realização do que o não é. O destino de uma
máquina tem o destino que lhe dermos, e um dos piores é o finalizá-la nela
própria. Assim e para lá da criação do seu próprio espaço, por uma máquina, da alteração
que a sua própria existência em nós promove, todo o problema se decide no
lugar-comum desta alternativa: remeter a máquina ao homem ou degradar o homem à
máquina.
Vergílio Ferreira in Invocação ao Meu Corpo
5.7.13
4.7.13
A Única Alegria Neste Mundo é a de Começar
A única alegria neste mundo é a de começar. É belo viver, porque viver é começar, sempre, a cada instante. Quando esta sensação desapaece - prisão, doença, hábito, estupidez - deseja-se morrer.
É por isso que quando uma situação dolorosa se reproduz de modo idêntico - parece idêntica - nada apaga o horror que tal coisa nos provoca.
O princípio acima enunciado não é, portanto, próprio de umviveur. Porque há mais hábito na experiência a todo o custo (cfr, o antipático «viajar a todo o custo») do que na charneira normal aceite com o sentido do dever e vivida com entusiasmo e inteligência. Estou convencido de que há mais hábito nas aventuras de do que num bom casamento.
Porque o próprio da aventura é conservar uma reserva mental de defesa; é por isso que não existem boas aventuras. Só é boa aventura aquela em que nos abandonamos: o matrimónio, em suma, talvez até aqueles que são feitos no céu.Quem não sente o perene recomeçar que vivifica a existência normal de um casal é, no fundo, um parvo que, por mais que diga, não sente, sequer, um verdadeiro recomeçar em cada aventura. A lição é sempre a mesma: atirarmo-nos para a frente e saber suportar o castigo. É melhor sofrer por ter ousado agir a sério do que to shrink (ou to shirk? (recuar) ). Como no caso dos filhos: é de resto a Natureza que o quer, e recuar é cobardia. No fim - já se tem visto -, paga-se mais caro.
Cesare Pavese in O Ofício de Viver
É por isso que quando uma situação dolorosa se reproduz de modo idêntico - parece idêntica - nada apaga o horror que tal coisa nos provoca.
O princípio acima enunciado não é, portanto, próprio de umviveur. Porque há mais hábito na experiência a todo o custo (cfr, o antipático «viajar a todo o custo») do que na charneira normal aceite com o sentido do dever e vivida com entusiasmo e inteligência. Estou convencido de que há mais hábito nas aventuras de do que num bom casamento.
Porque o próprio da aventura é conservar uma reserva mental de defesa; é por isso que não existem boas aventuras. Só é boa aventura aquela em que nos abandonamos: o matrimónio, em suma, talvez até aqueles que são feitos no céu.Quem não sente o perene recomeçar que vivifica a existência normal de um casal é, no fundo, um parvo que, por mais que diga, não sente, sequer, um verdadeiro recomeçar em cada aventura. A lição é sempre a mesma: atirarmo-nos para a frente e saber suportar o castigo. É melhor sofrer por ter ousado agir a sério do que to shrink (ou to shirk? (recuar) ). Como no caso dos filhos: é de resto a Natureza que o quer, e recuar é cobardia. No fim - já se tem visto -, paga-se mais caro.
Cesare Pavese in O Ofício de Viver
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