28.11.13

O consumo não é invenção do Capitalismo


Ninguém se encosta a si próprio tão 
intensamente como quando sofre ou como 
quando entra num mercado de uma 
das nossas grandes cidades. 0 comércio 
é feito de uma linguagem inesgotável: 
sobra de um lado, falta de outro. 0 consumo, 
por mais que o repitam, não é invenção do capitalismo: 
os deuses formaram homens incompletos, 
com estômago, frio e vaidade, como queriam outro resultado? 

Gonçalo M. Tavares, in "Uma Viagem à Índia"

26.11.13

entre ti e o mundo


"Na luta entre ti e o mundo, apoia o mundo."

Franz Kafka

25.11.13

Francis Bacon (1909-1992)

21.11.13

Homens Exageradamente Subtis

Os homens exageradamente subtis raro são grandes homens, e as suas pesquisas são, na maior parte dos casos, tão inúteis como requintadas. Afastam-se cada vez mais da vida prática, de que se deveriam aproximar. Assim como os mestres de dança ou de esgrima não começam por ensinar a anatomia dos braços e das pernas, também uma filosofia sã e utilizável deve partir de muito mais alto do que todas as suas especulações. «Deve pôr-se o pé assim para se não cair» e «é necessário acreditar nisto pois seria absurdo não acreditar», constituem bases muito boas. 
As pessoas que quiserem ir mais longe podem fazê-lo, mas sem pensarem que fazem algo de grande, porque se tudo resultar, nada mais encontrarão, no fim de contas, do que aquilo que o homem razoável sabia há muito.

O homem que faz uma nova demonstração do décimo segundo teorema de Euclides merece ser chamado engenhoso, mas nem por isso contribuirá mais para o alargamento das fronteiras da ciência do que se não tivesse feito tal invenção. Mas nunca, por certo, chegareis a convencer o céptico, porque que argumento deste mundo será capaz de convencer um homem capaz de acreditar em absurdidades? E alguém que quer ser convencido merecerá ser refutado? Até mesmo os maiores disputadores se não batem com o primeiro que os provoca. 

Georg Lichtenberg, in 'Aforismos'

3.11.13

Aprendendo a Viver


Thoreau era um filósofo americano que, entre coisas mais difíceis de se assimilar assim de repente, numa leitura de jornal, escreveu muitas coisas que talvez possam nos ajudar a viver de um modo mais inteligente, mais eficaz, mais bonito, menos angustiado. 
Thoreau, por exemplo, desolava-se vendo seus vizinhos só pouparem e economizarem para um futuro longínquo. Que se pensasse um pouco no futuro, estava certo. Mas «melhore o momento presente», exclamava. E acrescentava: «Estamos vivos agora.» E comentava com desgosto: «Eles ficam juntando tesouros que as traças e a ferrugem irão roer e os ladrões roubar.» 
A mensagem é clara: não sacrifique o dia de hoje pelo de amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na sequência dos agoras é que você existe. 

Cada um de nós, aliás, fazendo um exame de consciência, lembra-se pelo menos de vários agoras que foram perdidos e que não voltarão mais. Há momentos na vida que o arrependimento de não ter tido ou não ter sido ou não ter resolvido ou não ter aceito, há momentos na vida em que o arrependimento é profundo como uma dor profunda. 
Ele queria que fizéssemos agora o que queremos fazer. A vida inteira Thoreau pregou e praticou a necessidade de fazer agora o que é mais importante para cada um de nós. 
Por exemplo: para os jovens que queriam tornar-se escritores mas que contemporizavam — ou esperando uma inspiração ou se dizendo que não tinham tempo por causa de estudos ou trabalhos — ele mandava ir agora para o quarto e começar a escrever. 
Impacientava-se também com os que gastam tanto tempo estudando a vida que nunca chegam a viver. «É só quando esquecemos todos os nossos conhecimentos que começamos a saber.» 
E dizia esta coisa forte que nos enche de coragem: «Por que não deixamos penetrar a torrente, abrimos os portões e pomos em movimento toda a nossa engrenagem?» Só em pensar em seguir o seu conselho, sinto uma corrente de vitalidade percorrer-me o sangue. Agora, meus amigos, está sendo neste próprio instante. 

Thoreau achava que o medo era a causa da ruína dos nossos momentos presentes. E também as assustadoras opiniões que nós temos de nós mesmos. Dizia ele: «A opinião pública é uma tirana débil, se comparada à opinião que temos de nós mesmos.» É verdade: mesmo as pessoas cheias de segurança aparente julgam-se tão mal que no fundo estão alarmadas. E isso, na opinião de Thoreau, é grave, pois «o que um homem pensa a respeito de si mesmo determina, ou melhor, revela seu destino». 

E, por mais inesperado que isso seja, ele dizia: tenha pena de si mesmo. Isso quando se levava uma vida de desespero passivo. Ele então aconselhava um pouco menos de dureza para com eles próprios. O medo faz, segundo ele, ter-se uma covardia desnecessária. Nesse caso devia-se abrandar o julgamento de si próprio. «Creio», escreveu, «que podemos confiar em nós mesmos muito mais do que confiamos. A natureza adapta-se tão bem à nossa fraqueza quanto à nossa força.» E repetia mil vezes aos que complicavam inutilmente as coisas — e quem de nós não faz isso? —, como eu ia dizendo, ele quase gritava com quem complicava as coisas: simplifique! simplifique! 

Clarice Lispector in Crónicas no 'Jornal do Brasil (1968)