30.4.16

O silêncio está povoado

.
O silêncio está povoado de tantas vozes, tantos detalhes, tanta interpretação, tantas perguntas. O mesmo será dizer que o silêncio está povoado de tanta solidão, de tanta vida desperdiçada, de tanta espera.

19-12.2011

(Reposição)
.

25.4.16

Galgos

Amadeo de Souza-Cardoso

Cavalo

   Amadeo de Souza-Cardoso (14 de novembro de 1887 – 25 de outubro de1918

  Amadeo_de_Souza-Cardoso

25 de Abril de 1974 em Portugal



a canção que se ouviu à meia noite ...

E Depois do Adeus de Paulo de Carvalho

24.4.16

Ainda seremos sobretudo ridículos?

Pensar o meu país. De repente toda a gente se pôs a um canto a meditar o país. Nunca o tínhamos pensado, pensáramos apenas os que o governavam sem pensar. E de súbito foi isto. Mas para se chegar ao país tem de se atravessar o espesso nevoeiro da mediocralhada que o infestou. Será que a democracia exige a mediocridade? Mas os povos civilizados dizem que não. Nós é que temos um estilo de ser medíocres. Não é questão de se ser ignorante, incompetente e tudo o mais que se pode acrescentar ao estado em bruto. Não é questão de se ser estúpido. Temos saber, temos inteligência. A questão é só a do equilíbrio e harmonia, a questão é a do bom senso. Há um modo profundo de se ser que fica vivo por baixo de todas as cataplasmas de verniz que se lhe aplicarem. Há um modo de se ser grosseiro, sem ao menos se ter o rasgo de assumir a grosseria. E o resultado é o ridículo, a fífia, a «fuga do pé para o chinelo». O Espanhol é um «bárbaro», mas assume a barbaridade. Nós somos uns campónios com a obsessão de parecermos civilizados. O Francês é um ser artificioso, mas que vive dentro do artifício. O Alemão é uma broca ou um parafuso, mas que tem o feitio de uma broca ou de um parafuso. O Italiano é um histérico, mas que se investe da sua condição no parlapatar barato, na gritaria. O Inglês é um sujeito grave de coco, mas que assume a gravidade e o ridículo que vier nela. Nós somos sobretudo ridículos porque o não queremos parecer. A politiqueirada portuguesa é uma gentalha execranda, parlapatona, intriguista, charlatã, exibicionista, fanfarrona, de um empertigamento patarreco — e tocante de candura. Deus. É pois isto a democracia? 


Vergílio Ferreira in 'Conta-Corrente 2' , 1982-1985

21.4.16

Os Dias Bons


Revolução

"Pensa-se hoje na revolução, não como maneira de se solucionarem problemas postos pela actualidade, mas como um milagre que nos dispensa de resolver problemas."

Simone Weil  (1909- 1943)

18.4.16

Só Dez Por Cento é Mentira - 2008 - Manoel de Barros aos 90 anos





... ele se recolhe diariamente para escrever no seu pequeno cubículo ao qual ele apelidou "o lugar de ser inútil"...

Precisão absoluta


"O que me tranqüiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta. O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete. Tudo o que existe é de uma grande exatidão. Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível. O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas. Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição."

Clarice Lispector

17.4.16

Água e Pedra


 escultura de Kohei Nawa - mais do mesmo autor: http://kohei-nawa.net/

14.4.16

Grandes São os Desertos, e Tudo é Deserto

Grandes são os desertos, e tudo é deserto. 
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto 
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo. 
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes 
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas, 
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu. 

Grandes são os desertos, minha alma! 
Grandes são os desertos. 

Não tirei bilhete para a vida, 
Errei a porta do sentimento, 
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse. 
Hoje não me resta, em vésperas de viagem, 
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada, 
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem, 
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado) 
Senão saber isto: 
Grandes são os desertos, e tudo é deserto. 
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida, 

Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar 
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem) 
Acendo o cigarro para adiar a viagem, 
Para adiar todas as viagens. 
Para adiar o universo inteiro. 

Volta amanhã, realidade! 
Basta por hoje, gentes! 
Adia-te, presente absoluto! 
Mais vale não ser que ser assim. 

Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro, 
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito. 

Mas tenho que arrumar mala, 
Tenho por força que arrumar a mala, 
A mala. 

Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão. 
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala. 
Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas, 
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino. 

Tenho que arrumar a mala de ser. 
Tenho que existir a arrumar malas. 
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte. 
Olho para o lado, verifico que estou a dormir. 
Sei só que tenho que arrumar a mala, 
E que os desertos são grandes e tudo é deserto, 
E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci. 

Ergo-me de repente todos os Césares. 
Vou definitivamente arrumar a mala. 
Arre, hei de arrumá-la e fechá-la; 
Hei de vê-la levar de aqui, 
Hei de existir independentemente dela. 

Grandes são os desertos e tudo é deserto, 
Salvo erro, naturalmente. 
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado! 

Mais vale arrumar a mala. 
Fim. 

Álvaro de Campos in "Poemas", 1930
(Heterónimo de Fernando Pessoa)

11.4.16

Benjamin Clementine - Condolence


I swear that you've seen me
Yes you've seen me here before
Before
And so don't tell it
Don't tell it otherwise
This voice
This particular voice
Yes you've heard it before
Before
And so don't you dare tell it
Don't you dare tell it otherwise
No one know why the road seem so long
Cause I had done it all before
And I want
You felt
This feeling
Tell me, don't be ashamed
You felt it before
Before
And so don't tell me
Don't tell me otherwise
I almost forgot
Foolish me
I almost forgot
Forgot
Where I'm from
You see the rain
Before the rain even starts to rain

The firstborn
There was a storm
Before that storm
There was fire
Burning everywhere
Everywhere
And everything became nothing again
Then out of nothing
Out of absolutely nothing
I Benjamin
I was born
So that when I become someone one day
I always remember 
I came from nothing
No one know why you keep buggering me
Cause this walk
It's a previous journey
And no one know why the road seem so long
Cause I had done it all before
And I want
I'm sending my condolence
I'm sending my condolence to feel
I'm sending my condolence
I'm sending my condolence to inaugurate ease
You should know by now
You should know by now that I just don't care
For what you might say
Might bring some one down here
I'll send in my condolence
I'll send in my condolence to fear

8.4.16

SAMURAI


1881
IMAGE: UNIVERSAL HISTORY ARCHIVE/UIG/GETTY IMAGES
The last of feudal Japan's deadly warriors by Alex Q. Arbuckle

7.4.16

São Demasiado Pobres os Nossos Ricos

A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos. Mas ricos sem riqueza. Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados. Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro e dá emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. Ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele. 

A verdade é esta: são demasiado pobres os nossos «ricos». Aquilo que têm, não detêm. Pior: aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros. É produto de roubo e de negociatas. Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram. Vivem na obsessão de poderem ser roubados. Necessitavam de forças policiais à altura. Mas forças policiais à altura acabariam por lançá-los a eles próprios na cadeia. Necessitavam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade. Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem. 

O maior sonho dos nossos novos-rícos é, afinal, muito pequenito: um carro de luxo, umas efémeras cintilâncias. Mas a luxuosa viatura não pode sonhar muito, sacudida pelos buracos das avenidas. O Mercedes e o BMWnão podem fazer inteiro uso dos seus brilhos, ocupados que estão em se esquivar entre chapas, muito convexos e estradas muito concavas. A existência de estradas boas dependeria de outro tipo de riqueza. Uma riqueza que servisse a cidade. E a riqueza dos nossos novos-ricos nasceu de um movimento contrário: do empobrecimento da cidade e da sociedade. 

As casas de luxo dos nossos falsos ricos são menos para serem habitadas do que para serem vistas. Fizeram-se para os olhos de quem passa. Mas ao exibirem-se, assim, cheias de folhos e chibantices, acabam atraindo alheias cobiças. Por mais guardas que tenham à porta, os nossos pobres-ricos não afastam o receio das invejas e dos feitiços que essas invejas convocam. O fausto das residências não os torna imunes. Pobres dos nossos riquinhos! 

São como a cerveja tirada à pressão. São feitos num instante mas a maior parte é só espuma. O que resta de verdadeiro é mais o copo que o conteúdo. Podiam criar gado ou vegetais. Mas não. Em vez disso, os nossos endinheirados feitos sob pressão criam amantes. Mas as amantes (e/ou os amantes) têm um grave inconveniente: necessitam de ser sustentadas com dispendiosos mimos. O maior inconveniente é ainda a ausência de garantia do produto. A amante de um pode ser, amanhã, amante de outro. O coração do criador de amantes não tem sossego: quem traiu sabe que pode ser traído. 


Mia Couto in 'Pensatempos' 
Citador

5.4.16

Uma certa quantidade de gente à procura

Uma certa quantidade de gente à procura 
de gente à procura duma certa quantidade 

Soma: 
uma paisagem extremamente à procura 
o problema da luz (adrede ligado ao problema da vergonha) 
e o problema do quarto-atelier-avião 

Entretanto 
e justamente quando 
já não eram precisos 
apareceram os poetas à procura 
e a querer multiplicar tudo por dez 
má raça que eles têm 
ou muito inteligentes ou muito estúpidos 
pois uma e outra coisa eles são 
Jesus Aristóteles Platão 
abrem o mapa: 
dói aqui 
dói acolá 

E resulta que também estes andavam à procura 
duma certa quantidade de gente 
que saía à procura mas por outras bandas 
bandas que por seu turno também procuravam imenso 
um jeito certo de andar à procura deles 
visto todos buscarem quem andasse 
incautamente por ali a procurar 

Que susto se de repente alguém a sério encontrasse 
que certo se esse alguém fosse um adolescente 
como se é uma nuvem um atelier um astro 

Mário Cesariny in "Pena Capital" 

in Citador

3.4.16

Ensaio "SOLEDAD" - Amália & Alain

um poema de Herberto Helder


a morte é mesmo estranha:
morre-se todos os dias
e enquanto se morre pede-se uma esmola para matar a fome de outra vida,
e dão-nos pelo amor de Deus uma pequena moeda de nenhum país,
e não há ranhura onde a moeda entre, nem a ranhura de uma velha caixa de música, e no entanto estremeço
e falta-me o ar, sim sim
arrebatavam-me as músicas de J.S. Bach
no silêncio das naves através da catedral inteira,
vozes e vozes dos rapazes castrados
e de repente um baixo monstruoso,
e isto se Deus existisse mesmo, punhal fundo no músculo coração,
e depois quente chôro pela cara abaixo
- oh porque me abandonaste?
mas na verdade ninguém me abandonara


Herberto Helder in Letra Aberta. 

Porto Editora, 2016 (livro póstumo)

ANA MOURA - FADO LOUCURA (ao vivo no CCB)



Sou do fado
Como sei
Vivo um poema cantado
De um fado que eu inventei
A falar
Não posso dar-me
Mas ponho a alma a cantar
E as almas sabem escutar-me
Chorai, chorai
Poetas do meu país
Troncos da mesma raíz
Da vida que nos juntou
E se vocês 
não estivessem a meu lado
Então não havia fado
Nem fadistas como eu sou
Esta voz 
tão dolorida 
É culpa de todos vós
Poetas da minha vida
É loucura, 
ouço dizer
Mas bendita esta loucura 
de cantar e de sofrer
Chorai, chorai
Poetas do meu país
Troncos da mesma raíz
Da vida que nos juntou
E se vocês 
não estivessem a meu lado
Então não havia fado
Nem fadistas como eu sou

Letra de Júlio Campos Sousa 
Música de Frederico de Brito 

2.4.16

A ROSA DO MUNDO

Quem sonhou que a beleza passa como um sonho?
Por estes lábios vermelhos, com todo o seu magoado orgulho,
Tão magoados que nem o prodígio os pode alcançar,
Tróia desvaneceu-se em alta chama fúnebre,
E morreram os filhos de Usna.

Nós passamos e passa o trabalho do mundo:
Entre humanas almas que se agitam e quebram
Como as pálidas águas e seu fluxo invernal,
Sob as estrelas que passam, sob a espuma do céu,
Vive este solitário rosto.

Inclinai-vos, arcanjos, em vossa incerta morada:
Antes de vós, ou de qualquer palpitante coração,
Fatigado e gentil alguém esperava junto ao seu trono;
Ele fez do mundo um caminho de erva
Para os seus errantes pés.


William Butler Yeats