O presidente americano Donald Trump é, deliberada, implícita
ou involuntariamente, um dos maiores inimigos da União, assim como da NATO.
Quer mandar sozinho. Não deseja ficar condicionado pelos aliados, nem pelos
adversários, muito menos pelos outros. Há, todavia, uma eventual vantagem nessa
atitude: pode ser que agora, finalmente, os europeus aceitem que têm de fazer
um esforço para a sua defesa e para a segurança dos cidadãos e contra o
terrorismo e outros perigos!
O presidente russo Vladimir Putin é, consciente, distraída ou
acidentalmente, um grande perigo para a Europa. Deseja partilhar o mundo com os
americanos, não quer ter confronos com a península ocidental europeia. Nessa
atitude, há também um eventual benefício: pode ser que os europeus se convençam
de que a Europa tem de ser defendida por ela própria, que a liberdade e o
Estado social têm de ser protegidos e que à Europa não basta ser um parque
temático de paz, cultura e turismo.
O presidente chinês Xi Jinping é, assumida, dissimulada ou
inconscientemente, um perigoso inimigo da Europa. Quer países separados, não
quer blocos. Quer parceiros comerciais dispersos, não quer uniões. Perante esta
ameaça, há pelo menos um proveito: pode ser que os europeus se decidam a não
ficar dependentes, a preparar a sua própria defesa, a competir economicamente e
a impedir todas as formas de dumping social que têm ferido o Ocidente.
O presidente turco Erdogan é, decidida, desatenta ou
fingidamente, uma ameaça perigosa para a Europa. Faz exigências, não paga o
preço da democracia e joga com a arma dos refugiados. Nesse perigo, há pelo
menos um possível ganho: o de obrigar a Europa a defender-se, a não ajoelhar
perante ultimatos, a perder sentimentos de culpa e a resistir à chantagem
étnica e religiosa, esta insidiosa maneira de explorar os preconceitos dos
outros.
Também a partir do exterior, mas já com ramificações ou
prolongamentos no interior da Europa, o terrorismo islâmico contribui para este
cerco ameaçador. Apoiado por Estados de capitalismo predador e ajudado pela
emoção dos candidatos a refugiado. A tendência irresistível da direita é de
reclamar repressão. A propensão inevitável da esquerda é de protestar contra a
segurança.
Cercada pelo exterior, a Europa e a União conhecem também os
seus perigos interiores. Autoridades estabelecidas defendem a forma compacta, a
coesão jurídica e a hierarquia de poderio económico e financeiro. Abominam a
diversidade e a flexibilidade. Jubilam com a saída da Grã-Bretanha. Preparam-se
para deixar sair quem não se conformar. Encaram a flexibilidade institucional e
política como um castigo dos devedores, dos mais atrasados e dos menos
poderosos.
De modo convergente, apesar de origens diferentes, os
nacionalistas de direita, os populistas de todos os bordos, os soberanistas de
esquerda e outros grupos políticos mais ou menos extravagantes, mas
determinados, aproveitam a incerteza reinante e avançam nos seus projectos de
destruição da União e do euro.
Hoje mesmo, em França, começa a jogar-se importante batalha,
a completar dentro de duas semanas, na segunda volta, e a refazer dentro de
dois meses, nas legislativas. Tal como, dentro de dois meses, na Grã-Bretanha.
Ou ainda na Itália, não se sabe bem quando. Ou na Alemanha, lá mais para o
Outono. Quatro das seis grandes nações europeias vão decidir por nós. Sendo que
a Alemanha vai decidir mais. Nada conseguirá travar o caminho para a hegemonia
alemã, a não ser uma mudança de rumo e de estrutura da União.
Até ao fim deste ano, serão tomadas decisões que vão marcar o
destino. Não é o povo europeu que vai tomar essas decisões: esse povo não
existe. São os povos nacionais que votam e decidem. Cada um por si. Não são os
cidadãos europeus que vão exercer os seus direitos e os seus poderes: esses
cidadãos não existem. São os cidadãos de cada país, uns mais do que outros, que
vão decidir por todos nós.
Antonio Barreto, 23.04.2017 in Diário de Notícias