22.6.14
The Pale Blue Dot - Cosmos: A Space Time Odyssey
“Look again at that dot. That's here. That's home. That's us. On it everyone you love, everyone you know, everyone you ever heard of, every human being who ever was, lived out their lives. The aggregate of our joy and suffering, thousands of confident religions, ideologies, and economic doctrines, every hunter and forager, every hero and coward, every creator and destroyer of civilization, every king and peasant, every young couple in love, every mother and father, hopeful child, inventor and explorer, every teacher of morals, every corrupt politician, every "superstar," every "supreme leader," every saint and sinner in the history of our species lived there-on a mote of dust suspended in a sunbeam.
The Earth is a very small stage in a vast cosmic arena. Think of the endless cruelties visited by the inhabitants of one corner of this pixel on the scarcely distinguishable inhabitants of some other corner, how frequent their misunderstandings, how eager they are to kill one another, how fervent their hatreds. Think of the rivers of blood spilled by all those generals and emperors so that, in glory and triumph, they could become the momentary masters of a fraction of a dot.
Our posturings, our imagined self-importance, the delusion that we have some privileged position in the Universe, are challenged by this point of pale light. Our planet is a lonely speck in the great enveloping cosmic dark. In our obscurity, in all this vastness, there is no hint that help will come from elsewhere to save us from ourselves.
The Earth is the only world known so far to harbor life. There is nowhere else, at least in the near future, to which our species could migrate. Visit, yes. Settle, not yet. Like it or not, for the moment the Earth is where we make our stand.
It has been said that astronomy is a humbling and character-building experience. There is perhaps no better demonstration of the folly of human conceits than this distant image of our tiny world. To me, it underscores our responsibility to deal more kindly with one another, and to preserve and cherish the pale blue dot, the only home we've ever known.”
― Carl Sagan, Pale Blue Dot: A Vision of the Human Future in Space
21.6.14
Chico Buarque - Construção
Amou daquela vez como se
fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair
Deus lhe pague
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague
O VALOR DAS CRIANÇAS
Em Portugal, as preocupações com a diminuição e até com a sobrevivência, a médio prazo, do corpo populacional começam a ocupar um espaço razoável — conquistado ao corpo social, já que a sociedade perde aqui a primazia — tanto na esfera pública civil como nos cálculos do poder político. Os mecanismos de alarme e de prevenção postos em acção pelas tecnologias de poder a que — na esteira de Foucault — damos o nome de biopolítica baseiam-se em previsões e visam estabelecer o que, do ponto de vista biopolítico, é um equilíbrio, uma espécie de homeostase. Devemos sublinhar: o desequilíbrio em causa só existe num plano e num horizonte estritamente biopolíticos, já que a espécie, os seres humanos vivos que povoam a terra, a vida dos seres humanos não capturada pela racionalidade biopolítica, não estão a diminuir, antes pelo contrário. O que significa dizer que daqui a 200 anos já não haverá portugueses? Que o território nacional está despovoado (hipótese absurda, apenas verificável se as fronteiras fossem fechadas por uma polícia fanática e suicida) ou que o “sangue” que por aqui corre pertencerá a outras “linhagens”, que queremos excluir da pertença a uma cidadania portuguesa? Mas, afinal, a linhagem actual tem algo de “próprio” que está ameaçado de degeneração? Pondo estas questões, vemos claramente aonde nos leva o bio-poder: a um direito visto como natural, baseado no sangue e no solo. A biopolítica natalista é o exemplo mais eloquente desta importante transformação analisada por Foucault: ao poder da soberania que consistia em mandar matar e deixar viver, sucede esta tecnologia do biopoder que consiste em fazer viver e deixar morrer. Em termos muito pragmáticos, isto significa que, cada vez mais, as crianças pertencem ao Estado. Ainda na semana passada ficámos a saber que a um casal português, em Inglaterra, foram retirados os seus cinco filhos por “risco futuro de dano emocional”. É certo que não conhecemos a situação para avaliar convenientemente. Mas o argumento baseado no “risco futuro” para separar coercivamente cinco crianças e instalá-las em internatos e famílias de acolhimento mostra até que ponto o Estado já não se limita a intervir sobre o “como” da vida, sobre a maneira de viver, mas vai mais longe: apodera-se de toda a vida. Não é que os filhos não devam ser protegidos das sevícias que os pais sobre eles eventualmente exerçam. Mas, uma vez caídos nas garras do Estado, eles ficam submetidos, sem protecção, à pior das sevícias. Os esquemas biopolíticos de intervenção sobre a vida e a realidade populacional não estão, porém, desligados de um fenómeno de abstractização generalizada que tanto se aplica à monetarização e financeirização da economia como ao nascimento de crianças. Ambos são hoje fenómenos partenogenéticos de criação de valor. Em grego antigo, parthenos significa virgem. Jesus Cristo foi criado por partenogénese, sem que houvesse qualquer intervenção da relação sexual. A abstractização das crianças e da realidade populacional pelo biopoder elide tudo o que não seja “calculável”. Mas o que é mais preocupante é que tal abstractização, tendo começado nas sociedades ocidentais, instala-se — como é hoje possível perceber — em todas as sociedades que atingem um certo nível de desenvolvimento. As regressões dos nascimentos são como as regressões da poesia: dão-se quando se extingue um território de crenças e de sentimentos. É a este território que devemos atribuir a razão pela qual, nas sociedades ocidentais, a natalidade entrou em regressão, e não a critérios exclusivamente materiais.
ANTÓNIO GUERREIRO
20.6.14
17.6.14
15.6.14
MULHER MORENA
Mulher morena,
morena,
manjar delicado, sorriso
da água,
teu peito não sabe
de mágoas,
teus olhos não sabem
de lágrimas.
morena,
manjar delicado, sorriso
da água,
teu peito não sabe
de mágoas,
teus olhos não sabem
de lágrimas.
Porque és a mulher mais morena,
a mais bela,
a minha rainha,
deixo a água do amor
arrastar-me na corrente,
deixo a paixão, a tormenta,
levaram-me até ao manto
que te cinge os ombros
e a saia revôlta
que abraça os teus músculos.
Quando é dia, já não pode
chegar outra noite;
abandona-me o sono
e a aurora não chega.
Tu, minha rainha,
ó senhora minha,
já não quererás
pensar em mim quando
o leão e o lobo
venham devorar-me
no cárcere fundo
cá onde me encontro,
nem quando saibas
que estou condenado
a não ver mais mundo,
ó senhora minha,
tu, minha rainha?
in «Poemas Ameríndios», Poemas Mudados
para Português por Herberto Helder
Lisboa: Assírio & Alvim, 1997
para Português por Herberto Helder
Lisboa: Assírio & Alvim, 1997
9.6.14
lembrar-te, mas também lembrar os soldados, lembrar os que falam da sombra
Sete rosas mais tarde
Reunido está o que vimos,
para despedida de ti e de mim:
o mar, que nos lançava noites para a terra,
a areia, que as atravessou connosco,
a urze vermelho-ferrugem além
onde o mundo nos aconteceu.
*
Orvalho
E eu deitado contigo, tu, no lixo,
uma lua lamacenta
atirou-nos com a resposta,
nós separámo-nos aos bocados
e voltámos a esmigalhar-nos juntos:
O Senhor partiu o pão,
o pão partiu o Senhor.
dois poemas de Paul Celan (1920-1970)
4.6.14
2.6.14
Os dias bons
|
1.6.14
aparas gregas de mármore em redor da cabeça
aparas gregas de mármore em redor da cabeça
torso, ilhargas, membros e nos membros,
rótulas, unhas,
irrompem da água escarpada,
o vídeo funciona,
água para trás, crua, das minas,
tu próprio crias peso e leveza,
luz própria,
levanta-os com o corpo,
cria com o corpo a tua própria gramática,
o mundo nasce do vídeo, o caos do mundo, beltà, jubilação, abalo,
que Deus funciona na tua glória electrónica
Herberto Helder, in a Faca não corta o Fogo
Bem sem Luz
A partir do momento em que praticamos o mal, este surge como uma espécie de dever. A maior parte das pessoas tem o sentimento do dever para com certas coisas más e outras boas. Um mesmo homem sente como um dever vender tão caro quanto pode e não roubar, etc. O bem entre esses está ao nível do mal, um bem sem luz.
Simone Weil, in 'A Gravidade e a Graça'
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