Após cinquenta anos de desenvolvimento,
de protecção social, de paz e de liberdade, o mundo ocidental entrou em crise.
Economias e sistemas políticos não acertam. As populações não acreditam. As
forças centrífugas fazem sentir o seu efeito. Em quase todos os países
democráticos surgem perturbações e ameaças difíceis de conter. Na maior parte
desses países, é fácil encontrar o preconceito como resposta ao preconceito. Ou
o nacionalismo como reacção contra a liberdade e o cosmopolitismo. Meio século
de esplendoroso progresso parece ameaçado
Estamos a viver tempos difíceis. As
democracias estão a falhar. São como aqueles motores de automóvel que, aos
soluços, dão sinais de que alguma coisa, gasolina, velas ou carburador, está a
falhar. As democracias têm tido enormes dificuldades em lidar com a fúria
capitalista e a ganância financeira. Têm revelado fraqueza em tratar com as
esquerdas revolucionárias. São débeis na reacção ao nacionalismo. Têm mostrado
pusilanimidade em combater os grandes grupos económicos multinacionais. Não
conseguem sobrepor-se à ditadura das sondagens, da publicidade e da propaganda.
Têm tendência para deixar crescer as desigualdades sociais. Perdem o sentido de
Estado e rendem-se facilmente ao mercado. São frágeis perante a demagogia das
esquerdas e o populismo de toda a gente. Têm medo dos estrangeiros, dos
refugiados e dos imigrantes. Têm receio de parecer racistas. Quase conseguem
conviver com o terrorismo, sobretudo o reclamado pelas minorias. Encontram
razões sociais, origens familiares e causas políticas para explicar, justificar
e desculpar o crime, o terrorismo, a violência doméstica, o insucesso escolar e
a falta de disciplina. Têm medo de parecer autoritários. As democracias
deixam-se deslizar e não conseguem evitar a deriva da demagogia e do
preconceito.
Democratas começam a pensar que, se a
democracia não é capaz de combater esses novos inimigos, talvez seja de
imaginar soluções mais duras, nacionalistas de esquerda ou de direita, capazes
de contrariar os estrangeiros, liquidar o mercado e eliminar a iniciativa
privada. Uns procuram recorrer à religião e ao divino, sejam os cultos
estabelecidos sejam as novas seitas. Outros, pelo contrário, culpam o divino e
procuram contrariar todo e qualquer contributo das religiões para a vida
colectiva.
Dentro e fora da democracia, os esforços
para casar governo e igreja, para ligar política e religião, sucedem e
aumentam. Donald Trump não gosta de Darwin e já fez declarações arrepiantes
sobre os fundamentos religiosos da família. Putin vai buscar os chefes da
Igreja Ortodoxa cada vez que se vê atrapalhado. Enquanto o Papa Francisco
irrompe pelos territórios tradicionais da esquerda, as direitas europeias
afastam-se da religião ou sonham com uma restauração tridentina. Na China, os
poderes procuram de novo em Confúcio uma ajuda para o comunismo do dia. Noutros
países asiáticos, tenta-se encontrar em Buda colaboração para combater os
temores. Em Israel, em Gaza, em Teerão, em Riade, em Bagdad, em Manila e em
Jacarta os Estados tentam conviver com a religião e convencer os fiéis. Na
Turquia, Erdogan revê as relações do Estado com a religião. Noutros casos, a
religião apodera-se das alavancas dos poderes políticos e militares.
Há ditadores que encontram fácil ligação
com os deuses e as igrejas. Outros que se lhes opõem ferozmente. Há igrejas que
combinam bem com o poder político ditatorial. Outras que calam e consentem.
Outras ainda que não consentem e são caladas.
Apesar da escravatura, mau grado a
Inquisição, não obstante a contra-reforma e outras formas de cumplicidade das
igrejas com o pior das políticas, os cristãos têm a seu crédito a fundamental
separação entre Deus e César, entre a Igreja e o Estado e entre a Bíblia e a
Constituição. Não é pouca coisa.
O António Barreto parece não saber o que quer, donde vem ou para onde vai.
ResponderEliminar'Bate' em todos por igual.
Era bom que, como sociólogo que é, aprofundasse melhor as causas deste mundo em convulsão.
Espero que não peça também a Democracia em suspensão.
Abraço