17.5.14

Vivemos "como se"....

(...) 
Nietzsche escreveu que o homem precisa de viver "como se" para aceitar o mundo que o rodeia. Com efeito, sabemos que humanidade, tal como hoje a conhecemos, desaparecerá um dia, e possuímos uma imagem coperniciana e mesmo einsteiniana do universo que nos acolhe, mas vivemos "como se" o Sol nunca se fosse apagar, "como se" desconhecêssemos o significado da palavra glaciação, "como se" estivéssemos ainda na época de Ptolomeu. Os cientistas que, por definição, costumam ser bruscos nas suas conclusões, talvez porque o seu trabalho não consiste em consolar ou entreter, mas em informar e compreender, garantem além disso que o nosso sistema é regido pela entropia, o que significa que este mundo, como tudo o que nele habita, se encaminha para o caos, para a desordem, para a decomposição. 
E no entanto, enquanto escrevo coloco a minha lupa sobre todas as histórias que me rodeiam - algumas reais, outras fictícias, todas possíveis - sinto que estou a empenhar a linguagem na construção de um arremedo de ordem, de uma organização superior, de uma estrutura resistente a qualquer tentação de ser dissolvida, absorvida pela desordem. Ao escrever, ao fim ao cabo, não estou a tentar evitar a entropia, a desorganizaçao, a morte da forma?" (...)

Ricardo Menéndez Salmón in A Luz é mais antiga do que o Amor

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