improvável poema,
contudo
nem eu estava à espera dos bárbaros que viriam devastar
a terra
porque éramos inocentes,
nós que só queríamos o silêncio,
e a voz diria que se fosse preciso traziam Deus,
e é sim possível que trouxessem qualquer espectáculo com
cristos nus e saltimbancos de feira,
e paus vermelhos,
e paus amarelos,
paus virgens com linho e algodão pintado,
paus compridos com petúnias como borboletas:
e eu achava inadmissível,
e tinha a meio da minha própria linguagem a dor sozinha
em que súbito se repara,
e de que o poema se faz carregado e quente,
e não explicava nada,
e lá vinham os bárbaros como no episódio de Alexandria,
mais uma vez depois de Cavafis,
incendiada pelos soldados de César e do califa Omar,
por franceses e ingleses e todos os outros bárbaros,
por todos os incapazes da medida intrínseca,
a densa meditação que conduz ao poema puro,
e nunca, nunca mais a paixão,
e então o centro do mesmo mundo era o centro de Alexandria,
olhos fechados víamos através das pálpebras a nossa vida ardente
e muda e lenta,
e a carne desde o imo desfazia-se num soluço,
magoada, humana,
alexandrina,
e o mundo era pequeno,
mais pequeno com certeza que um poema de um verso único,
universo:
oh nunca mais quero viver no mundo!
Herberto Helder, in Servidões, 2013
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