27.1.15

Auschwitz: foi há 70 a libertação


Foi há 70 anos que acabou o que não podemos permitir 
que se repita na história da Humanidade




25.1.15

Templo a Zeus, Atenas


um poema de Livro sobre Nada



Vi um prego do Século XIII enterrado até meio
numa parede de 3 x  4, branca, na XXIII Bienal das Artes
Plásticas de São Paulo de 1994.
Meditei um pouco sobre o prego.
O que restou para decidir foi: se o objecto enferrujado
seria mesmo do Século XIII ou do Século XII?
Era um prego sozinho e indiscutível.
Podia ser um anúncio de solidão.
Prego é uma coisa indicutível.

Manoel de Barros, Livro sobre Nada, 1996


os dias bons

Manoel de Barros 

17.1.15

O lugar em que temos razão



Do lugar em que temos razão
jamais crescerão
flores na primavera.

O lugar em que temos razão
está pisoteado e duro
como um pátio.

Mas dúvidas e amores
escavam o mundo
como uma toupeira, como a lavradura.
E um sussurro será ouvido no lugar
onde houve uma casa
que foi destruída.


Yehuda Amichai  (1924-2000)

tradução: Nancy Rozenchan

Um Homem e a sua Vida


Um homem não tem tempo na sua vida
para ter tempo para tudo.
Não tem momentos que cheguem para ter
momentos para todos os propósitos. Eclesiastes
está enganado acerca disto.
Um homem precisa de amar e odiar no mesmo instante,
de rir e chorar com os mesmos olhos,
com as mesmas mãos atirar e juntar pedras,
de fazer amor durante a guerra e guerra durante o amor.
E de odiar e perdoar e lembrar e esquecer,
de planear e confundir, de comer e digerir
que história
leva anos e anos a fazer.
Um homem não tem tempo.
Quando perde procura, quando encontra
esquece, quando esquece ama, quando ama
começa a esquecer.
E a sua alma é erudita, a sua alma
é profissional.
Só o seu corpo permanece sempre
um amador. Tenta e falha,
fica confuso, não aprende nada,
embriagado e cego nos seus prazeres
e nas suas mágoas.
Morrerá como um figo morre no Outono,
Enrugado e cheio de si e doce,
as folhas secando no chão,
os ramos nus apontando para o lugar
onde há tempo para tudo.

Yehuda Amichai

(Tradução de Shlomit Keren Stein e Nuno Guerreiro)

8.1.15

JE SUIS CHARLIE

Não se percebe a gabarolice dos estúpidos assassinos quando gritaram "Matámos a Charlie Hebdo".
Não se pode matar a Charlie Hebdo. Não se pode matar a valente e hilariante revista que goza com tudo e com todos desde os tempos em que se chamavaHara-Kiri. Muitos poderosos tentaram censurar os satíricos da Charlie Hebdo. Nunca conseguiram. Nunca conseguirão.
O que se pode matar é a liberdade de expressão. Ou reforçá-la: foi o que fizeram os estúpidos assassinos que reagiram a desenhos satíricos massacrando os autores com metralhadoras. Desencadeou-se imediatamente uma onda de solidariedade francesa e internacional para reafirmar a liberdade de expressão.
Os mais perigosos inimigos da liberdade de expressão são pessoas inteligentes e bem-intencionadas que publicamente pedem tratamento especial para a religião islâmica (ou qualquer outra religião) para não "ferir susceptibilidades" ou "fazer provocações". São pessoas liberais que defendem calmamente a protecção das sensibilidades muçulmanas através da violação da liberdade de expressão, por muito civilizada e politicamente correcta que seja a forma de censura que propõem.
Mostraram-se quando foi o caso de Salman Rushdie e mostrar-se-ão outra vez dentro em breve. Quem será o primeiro idiota entre nós a dizer que a culpa foi dos assassinados da Charlie Hebdo? Tem todo o direito de dizê-lo. É isso a liberdade de expressão. Ser-se estúpido também é um direito. Até os assassinos o têm.

Miguel Esteves Cardoso, in Público

A Sabedoria da Não-Violência


A vida verdadeira é como a água:
Em silêncio se adapta ao nível inferior
Que os homens desprezam.
Não se opõe a nada,
Serve a tudo.
Não exige nada,
Porque sua origem é da fonte imortal.
O homem realizado não tem desejos de dentro,
Nem tem exigências de fora.
Ele é prestativo em se dar
E sincero em falar,
Suave no conduzir,
Poderoso no agir.
Age com serenidade.
Por isto é incontaminável.

Lao-Tsé

3.1.15

uma espécie de perda


Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma
cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados,
gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos. Fizemos.
E estendemos sempre a mão.

Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por
Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma
cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,

(- o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um aponta-
mento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.

De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor
mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.

Não te perdi a ti,
perdi o mundo.



ingeborg bachmann
o tempo aprazado
(últimos poemas 1957-1967)trad. judite berkemeier e joão barrento
assírio & alvim
1992