30.5.09

Os dias bons

Marilyn Monroe, praia de Long Island, N.Y., 1949, fotografia de Andre De Dienes

28.5.09

Moon River

Moon River, wider than a mile,
I'm crossing you in style some day.
Oh, dream maker, you heart breaker,
wherever you're going I'm going your way.
Two drifters off to see the world.
There's such a lot of world to see.
We're after the same rainbow's end-
waiting 'round the bend,
my huckleberry friend,
Moon River and me.

Letra de Johnny Mercer, Música de Henry Mancini

Silêncio

pintura de Joseph M. W. Turner, Sun Setting over a Lake, 1840
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Às vezes pesa o silêncio como uma grande pedra que entrou na nossa casa e nos deixa sem espaço. Mas sabemos que aquela pedra é talvez o que está mais próximo de nós, naquele momento, como uma extensão. Nesses dias, todos os barulhos, todas as vozes, todas as músicas nos agridem. Tentamos recordar os dias em que o silêncio é uma grande benção e o nosso peito está livre e desimpedido; esses dias em que o respirar nos une a qualquer coisa maior, que flui. Tentamos recuperar espaço, no nosso abrigo, até que lá fora parem os sons da guerra. E haverá uma manhã em que o dia conseguirá entrar em nós como uma claridade para que prossigamos lá fora como que renascidos, prontos para começar a partir de um chão-zero.
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27.5.09

Os dias bons

na fotografia, Rita Hayworth



26.5.09

Deslizar tranquilamente


A morte é apenas uma consequência da nossa maneira de viver. Vivemos de pensamento em pensamento, de sensação em sensação. Os nossos pensamentos e as nossas sensações não correm tranquilamente como um rio, «ocorrem-nos», caem em nós como pedras. Se te observares bem, sentirás que a alma não é algo que vai mudando de cor em gradações progressivas, mas que os pensamentos saltam dela como algarismos saindo de um buraco negro. Neste momento tens um pensamento ou uma sensação, e no seguinte aparece outro, diferente, como que saído do nada. Se deres atenção, até podes sentir o instante entre dois pensamentos, quando tudo se torna negro. Esse instante, uma vez apreendido, é para nós o mesmo que a morte.
Pois a nossa vida resume-se a definir marcos e a saltar de um para o outro, diariamente, passando por milhares de instantes de morte. De certo modo, vivemos apenas nos pontos de repouso. É por isso que temos esse medo ridículo da morte irreversível, porque ela é, em absoluto, o lugar sem marcos, o abismo insondável em que caímos. Na verdade, ela é a negação absoluta daquela maneira de viver. Mas isto só é assim quando visto da perspectiva desta vida, apenas para aqueles que não aprenderam a sentir-se de outro modo, a não ser de instante em instante. Chamo a isso o mal saltitante, e o segredo está apenas em superá-lo. Temos de despertar em nós a sensação de que a vida é algo que desliza tranquilamente. No momento em que isso acontecer, estamos tão próximos da morte como da vida. Já não vivemos - à luz dos nossos conceitos terrenos -, mas também já não podemos morrer, pois com a vida superámos também a morte. É o momento da imortalidade, o momento em que a alma sai da estreiteza do nosso cérebro para entrar nos maravilhosos jardins da sua vida.

Robert Musil, in O Jovem Torless

25.5.09

Um lugar assim

Talvez todos queiramos um dia viver um amor sem tempo e sem lugar definidos. Um amor sem passado nem futuro, onde cada momento de encontro transborde vida, exaltação. Um amor que não pergunte, nem responda. Um amor que seja apenas um breve voo, a inconstância das dunas, suave e tórrido como o sol. Talvez nesse lugar indefinido se cumpra apenas a essência das coisas, ou seja não as rosas, mas a ideia e o perfume das rosas, não o oceano, mas a força e a espuma do mar. O mais difícil é aceitar que essa exuberância ter-se-á de se viver como quem vive uma estação e não mais do que isso, senão tudo se concretiza e perde.

As novas espécies



As novas espécies...

23.5.09

Johnny Guitar, o filme da sua vida


Para si, João Bénard da Costa, um homem que aceitou a grandeza da ilusão, fez disso o seu modo de vida e compreendeu que isso é quase tudo o que nós somos

20.5.09

Os dias bons

na fotografia Ava Gardner
© Sunset Boulevard/Corbis


A Natureza Subjectiva do Tempo


"O tempo, tal como o espaço, é uma forma pura da intuição ou percepção sensível. É a condição de toda a percepção activa imediata, e também de tudo o que é percepcionado, isto é, de toda a experiência e de tudo o que é experimentado. A natureza é feita de tempo e de espaço, e é um processo. Quando salientamos o seu aspecto espacial, estamos conscientes da sua natureza objectiva; quando salientamos o seu aspecto temporal, tornamo-nos conscientes da sua natureza subjectiva. Tal como a percepcionamos, a natureza é um processo de devir infindável e contínuo. As coisas chegam e partem no tempo, mas são também temporais - o tempo é o seu modo de existência. "
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Georg Hegel (1770-1831) , in Enciclopédia das Ciências Filosóficas

19.5.09

Sapucaia

Mesmo fora do contexto, nada lhe pode tirar a sua beleza.
Fotografia de Ricardo Lima

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Dizemos que não procuramos o amor

Dizemos que não procuramos um amor. É mentira, é claro que procuramos o amor. Só que como tememos já não o encontrar, temos a tendência para enumerar aquilo que nos faz falta. Então dizemos que queremos encontrar alguém que se encaixe nas nossas "faltas". Como se a nossa vida não se alterasse nem um cêntimetro e pudessemos ainda preencher os nossos vazios. Mas falaremos nós de pessoas reais ou de um adorno que podemos usar e disfrutar quando nos apetece. É arrepiante pensar que, também no amor, as pessoas possam existir na vida umas das outras no contexto do útil. Quando procuramos encontrar alguém que obedeça às nossas "regras", às nossas "faltas", ao nosso "tipo", estamos a afastar por completo a mais simples linguagem do amor que é a da descoberta e do encontro. Quem tenta encontrar pessoas com o mesmo movimento com que se procura um objecto, já envelheceu para o amor ou nunca soube que ele é coisa viva, inesperada, por isso, simultâneamente volúvel e constante.
Talvez até não sejamos a nós a encontrá-lo, é o amor encontra.

17.5.09

saudade e esperança


Vi recentemente o fime "A Troca" de Clint Eastwood: magnífico, como sempre são os filmes de Clint. E esta música também é da sua autoria.

15.5.09

Amália Hoje


Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.

Poema "Gaivota" de Alexandre O' Neil

14.5.09

Navegar


Saber transmitir a verdade


"É bem possível dizer a verdade e não ser verdadeiro ou não ter uma relação verdadeira. E isto acontece mais do que se pensa. Quando não atendo à condição do outro, à sua sensibilidade, linguagem, idade, etc., posso dizer tudo certo e o outro ficar mais longe e mais desconfiado, e a relação não ser humana e verdadeira. A verdade humana é ser construtivo na relação. Da verdade lógica também os computadores são capazes..."

(Padre) Vasco Pinto de Magalhães in Não Há Soluções, Há Caminhos
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12.5.09

Queremos simplesmente encontrar

Somos almas tão simples. Há, talvez, uma semelhança tão grande no que todos queremos da vida. E, no entanto, a complexidade da interpretação, o cruzamento da memória, a forma como vivemos as emoções e os sentimentos deixam-nos à deriva, à procura de um caminho onde tudo isso faça sentido. Queremos encontrar a grandeza da simplicidade onde a nossa árvore cresça harmoniosamente. Queremos simplesmente encontrar. Queremos esta coisa antiga, esta coisa de espécie: dar um sentido às nossas acções, amar e ser amados. Mas aqui estamos, enredados num sistema que nos pode afastar cada vez mais da simplicidade e estimula a incerteza, o medo de ousar, de acreditar, de ter um pensamento próprio.
Há um desajuste entre a simplicidade da nossa alma e a forma como por vezes a vida se nos apresenta. É por isso que valorizamos tanto as relações humanas. É no encontro das sensibilidades, na franqueza das palavras, na partilha de saberes, no amor e na amizade que reside aquilo que de mais fundamental existe ao ser humano. São essas as ilhas de luz na nossa memória. É essencialmente isso que nos ilumina o caminho.
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10.5.09

I Go To Sleep


Sia - I Go To Sleep (música copiada de um conhecido Blogue...)
ah, e é de referenciar que se trata de uma música dos anos 60 interpretada por Cher, The Pretenders...

Reinventar

Por mais que nos preparemos, por mais que evitemos repetir nos meus erros, por mais consciência que tenhamos, voltamos sempre às nossas "marcas", parecidas com os "marcadores genéticos". Queremos mudar o padrão, mas parece que o padrão só pode alguma vez ser alterado se do exterior chegar o desconhecido, uma nova forma, um novo nome. Talvez esse desconhecido nos obrigue a ser criativos, a buscar novas formas de interpretar e passo a passo consigamo-nos reinventar e avançar dentro do nosso mundo.

Céu

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Como não tenho máquina fotográfica, tenho que vos descrever o magnífico céu deste final de tarde:
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Fim de tarde de nuvens, como flocos de neve em labaredas alinhados em estrada para Oeste. Ou talvez como asas incendiadas pelo sol-pôr, voando sobre a costa.
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Conseguem imaginar?

7.5.09

White As Diamonds

(...)
some hearts are ghosts settling down in dark waters
just as silt grows heavy and drowns with the stones

I've known mornings
white as diamonds
silent from a night so cold
such a stillness
calm as the owl glides
our lives are buried in snow
(...)

Alela Diane canta White As Diamonds

altruísmo # egoísmo


Estamos sempre à procura do meio termo, um equilíbrio no poço das nossas imperfeições. É sempre essa a tentativa, de modo a harmonizar um pouco a desordem própria à condição humana. Mas a noção de harmonia estabelece-se sempre, assim como qualquer energia, numa lógica de troca. Fica assim presente a ideia de que mais do que nos centrarmos num só ponto, é bem mais importante concentrarmo-nos no todo e por conseguinte relativizar a importância dos pontos. Na nossa extrema importância para os que gostam de nós, o que somos no contexto do universo? O tudo e o quase nada ? Sendo o "tudo" tão importante como o "quase nada".
Há nestes pensamentos uma noção tão simples, mas tão essencial: a importância do altruísmo e do desprendimento. Duas noções que se contrapõem a um estar que tem dado ao homem muita infelicidade: o egoísmo, que levado ao extremo incapacita o homem de amar e respeitar os outros.

6.5.09

Os Portugueses

Não resisto a mencionar também aqui o texto de Alberto Pimenta sobre os Portugueses. Este é um extracto. Se quiserem ler o texto completo cliquem Aqui .
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"OS PORTUGUESES não formam uma sociedade porque não são sócios uns dos outros. Tomemos os exemplos mais corriqueiros. Na cidade velha, vai-se pela rua e pode-se apanhar com sacos de migas de pão ralado, atirados aos pombos, na cabeça. E a rua está cheia de cagadelas de cão, coisa que não se vê em mais cidade nenhuma, porque cada um entende que o espaço público se pode sujar à vontade. Lisboa é habitada por uma horda que usa fato e gravata e anda de automóvel, mas que não chegou sequer ao patamar mínimo de civilização urbana. Começa-se sempre de cima para baixo. A Lisboa 94, com a sua falta de ideia, fez várias coisas em cima sem haver nada em baixo, confundiu arte com cultura. A cultura começa nas ruas onde se pode andar, no ambiente cuidado, nos jardins tratados, que não existem.

Há um total desprezo do próximo, uma falta de noção dos direitos e deveres urbanos civilizacionais. Soube agora de um caso que se passa num prédio normal do centro da cidade. Há alguém que guarda a moto do filho de família no patamar entre o terceiro e o quarto andares e, quando Ihe vão dizer que não o pode fazer, essa gente que é licenciada fecha a porta, dizendo: «A moto é minha, eu faço o que eu quero!» Tal e qual como o sapateiro que bate no filho e diz: «O filho é meu, eu faço o que quero!». É a sociedade do «salve-se quem puder». A maior parte das discussões que se geram em bichas, em lugares públicos onde se reclama um direito, resulta da falta de noção muito exacta que qualquer alemão, francês ou italiano tem dos seus direitos e deveres. Aqui é tudo uma «questão particular». Passa a não ser uma sociedade organizada mas um clã. É simpático, de repente, encontrarmos uma grande humanidade e intimidade onde menos esperávamos. Sabe bem mas o preço é caro, implica um dia-a-dia desgastante, onde tudo funciona improvisada e desastradamente. Nem se pode andar pelas ruas porque os carros ocupam os passeios. São insignificâncias que vão criando e alimentando quotidianamente um mal-estar, um cansaço, uma perda de energia. Quando ando pela Baixa duas ou três horas, começo a sentir um esgotamento de tipo espiritual, ao contrário do que acontece em qualquer cidade europeia em que fico mais alerta, enérgico e cheio de ideias. Aqui, começo a arrastar os pés e a andar em passo de procissão, que é como fazem os portugueses, um pouco vergados, dai a metáfora de trazer um peso nas costas. Há, de facto, um peso qualquer que está lá dentro, nas costas do espírito. Este país é como uma eterna pequena constipação." (...)
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publicado no Diário de Notícias em Janeiro de 1995

Ser Turista

Ser turista é fugir da responsabilidade. Os erros e os defeitos não se colam em nós como em casa. Somos capazes de vaguear por continentes e línguas, suspendendo a actividade do pensamento lógico. O turismo é a marcha da imbecilidade. Contam que sejamos imbecis. Todo o mecanismo do país hospedeiro está adaptado aos viajantes que se comportam de um modo imbecil. Andamos às voltas, aturdidos, olhando de esguelha para mapas desdobrados. Não sabemos falar com as pessoas, ir a lado nenhum, quanto vale o dinheiro, que horas são, o que comer ou como o comer. Ser-se imbecil é o padrão, o nível e a norma. Podemos continuar a viver nestas condições durante semanas e meses, sem censuras nem consequências terríveis. Tal como a outros milhares, são-nos concedidas imunidades e amplas liberdades. Somos um exército de loucos, usando roupas de poliester de cores vivas, montando camelos, tirando fotografias uns aos outros, fatigados, desintéricos, sedentos. Não temos mais nada em que pensar senão no próximo acontecimento informe.
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Don DeLillo, in Os Nomes

5.5.09

Nós perante a paisagem

Pintura de Paul Cézanne (1839-1906), Paysage a Auvers, 1873
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As paisagens dão ao nosso espírito uma ideia de infinitude, uma certeza exterior que nos suporta. Dizer de um homem é dizer as paisagens que o habitam, os lugares onde cresceu, os sítios que avistou. Dizer de um homem é conhecer como as paisagens se foram alterando no seu caminho. É saber se os lugares foram cuidados ou abandonados, é saber da acção dos outros homens nesses lugares.
Na paisagem natural não há lugares abandonados, há lugares recôndidos. Só na paisagem que alguma vez esteve sob acção humana existem locais abondonados. É a nossa acção que cria essa noção de abandono. A partir do momento em que agimos sobre um lugar temos uma certa responsabilidade sobre ele, temos que o cuidar, criar, encaminhar... como aliás com quase tudo na vida ...
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3.5.09

o perfume dela, por exemplo ...

imagem do filme Aurora de Friedrich Murnau, 1927
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Eis um efeito que me será contestado, e que só apresento aos homens que, digamos, são bastante infelizes para terem amado com paixão durante longos anos, dum amor contrariado por obstáculos invencíveis: A vista de tudo o que é extremamente belo, tanto na natureza como nas artes, traz-nos a recordação do que amamos, com a rapidez de um relâmpago. É que, pelo processo do ramo de árvore guarnecido de diamantes da mina de Salzburgo, tudo o que no mundo é belo e sublime faz parte da beleza do que amamos, e esta visão imprevista da felicidade enche-nos os olhos de lágrimas num instante. É assim que o amor do belo e o amor se dão vida um ao outro. Uma das infelicidades da vida é que a ventura de ver a quem amamos e de lhe falar não deixa recordações distintas. Aparentemente, a alma está demasiado perturbada pelas suas emoções para poder prestar atenção ao que as causa ou as acompanha. Transforma-se na própria sensação. É talvez porque estes prazeres não se podem renovar sempre que queremos, por simples força de vontade, que se renovam com tanta força, desde que um objecto qualquer nos venha tirar da meditação consagrada à mulher que amamos, e lembrar-no-la mais vivamente por meio de uma nova sugestão (o perfume dela, por exemplo).
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Stendhal (1783-1842) in Do Amor