28.5.16

Hiroshima , 71 anos depois


A História e o futuro também se fazem nos actos simbólicos.

27.5.16

A ROSA DE HIROXIMA

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexactas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioactiva
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atomica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

Vinicius de Morais, 1954

23.5.16

Se falássemos de amor falávamos de outra maneira.

Se falássemos de amor falávamos de outra maneira. 

A imagem de qualquer pedra servia bem a desordem 
que vai sobre esta mesa 
o copo de cerveja 
admiráveis modos de viver 

o mais mortal amigo é sempre qualquer coisa. 

Assim explicava os grandes reinados rituais 
o produto da terra 
a arte da guerra 
a ilusão vindo de muito longe 
a única árvore o único poço por fortuna. Hábil 
guerreiro e de palavra. 
Contra ele os que foram foram inutilmente. 


João Miguel Fernandes Jorge, in "Meridional" 

A Europa real


"A Europa real é uma colecção de identidades que já não têm a capacidade de se viver plenamente como nações, nem a força de querer e de imaginar a futura Europa como uma nova espécie de nação."

Eduardo Lourenço

numa entrevista ao jornal Público, 2004, Citador

15.5.16

I love you with all my heart



Jung LeeKorean, b. 1972

https://www.artsy.net/artist/jung-lee

12.5.16

Descrição de uma cidade

Não há lado esquerdo na metafísica,
O que não é uma limitação.
A produção industrial de problemas
Solta para o ar nuvens espessas
Que interferem no aeródromo.
Aviões cobertos de graffiti não conseguem levantar voo
Porque, entre os vários desenhos, os miúdos
Desenharam pedras de granito. A Ideia de granito
Pesa mais que a existência concreta de um
Balão, o mundo das ideias é estado transitório entre
O Nada e a montanha. Entretanto, a
Natação tornou-se importante para a cidade
Depois do dilúvio ocorrido há três mil anos. O governo
Oferece inscrições gratuitas e ainda casais de animais
Bruscos, mas mansos. Os homens andam felizes, e também
As mulheres, porque todos aprendem a nadar antes dos
Sessenta. Hoje, neste século, morre-se afogado mais tarde.
O mundo é perfeito de todos os lados,
Menos do lado onde estamos: como um sólido geométrico
Belo que cai em cheio na cabeça desprevenida.
O mundo é fantástico visto de cima, de helicóptero. A linguagem
Sobe e interfere em camadas específicas da atmosfera.
As palavras que usas não são inertes. O inglês, por exemplo,
É Língua que entra excessivamente nas nuvens. O inglês
Para a Astronomia é deselegante, e prejudica ligeiramente
As aves baixas.
No outro lado do mundo, entretanto, alguém, de grandes dimensões,
Enfia o aeródromo num saco de plástico. As pulsações
Da alma medem-se pelos pressentimentos, não por
Aparelhos medicinais. E não se ilumina a escuridão,
Ilumina-se algo que já não é escuridão; precisamente porque
A escuridão é escura, escuríssima segundo dizem.

Gonçalo M. Tavares

10.5.16

VERMEER


Enquanto aquela mulher do Rijksmuseum,
em quietude pintada e concentração, 
dia após dia, não verter o leite 
do jarro para a vasilha,
o Mundo não merece 
o fim do mundo. 


Wislawa Szymborka



(copiado do blog http://poesiailimitada.blogspot.pt/)

8.5.16

A luz do "rainbow church" e a neve cristalizada em rosas ...



de Tokujin Yoshioka

para mais pesquisa: http://www.tokujin.com/ 

a noite feita, ela toda, em segredo


a noite feita, ela toda, em segredo
passando da mão direita para a mão esquerda
e ficar acordado enquanto se adormece
e acordando se se vê que está escrito
de cabeça para baixo
que o mundo de tão lento não se encurva
que tudo está no ovo
e o ovo não aquece nem arrefenta
e que nada está onde é suposto
e o lenço é ar apenas na mão do mágico
e nada se encontra agora onde se encontra
nem a cabeça
nem a caneta
nem a palavra certa para ser escrita
há duzentos ou trezentos anos
quando eu era criança algures noutro alfabeto
e escrevia alto numa espécie de caderno
sem páginas de um lado e de outro
e sem palavra nenhuma
sobretudo

Herberto Helder in Letra Aberta, 2016

4.5.16

MARE NOSTRUM

                   de Carlos Nó, 2015

1.5.16

LISBOA

No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas 
Subidas. 
Havia duas prisões. Uma delas era para os gatunos. 
Eles acenavam através das grades. 
Eles gritavam. Eles queriam ser fotografados! 

"Mas aqui", dizia o revisor e ria baixinho como um afectado 
"aqui sentam-se os políticos". Eu vi a fachada, a fachada, a fachada 
e em cima, a uma janela, um homem, 
com um binóculo à frente dos olhos, espreitando 
para além do mar. 

A roupa pendia no azul. Os muros estavam quentes. 
As moscas liam cartas microscópicas. 
Seis anos depois, peguntei a uma dama de Lisboa: 
Isto é real, ou fui eu que sonhei ? 

Tomas Tranströmer 
(Tradução por Luís Costa)
  

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