19.7.11



também uma pintura de E.S. Tingatinga 'Pescadores' anos 60 ex-Meret Teisen

Pintura de E.S. Tingatinga (1932-1972)

'Galo' ex-Meret Teisen pensa-se que se trata de um dos primeiros quadros de E.S. Tingatinga



Poema para a Negra

Deixa que os outros cantem o teu corpo
que dizem feiticeiro e sedutor,
e, na volúpia vã do pitoresco,
entoem madrigais à tua dor.

Deixa que os outros cantem teus requebros
nos passos de massemba e quilapanga,
e teus olhos onde há noites de luar,
e teus beiços que têm sabor de manga.

Deixa que os outros cantem os teus usos
como aspectos formais da tua graça,
nessa conquista fácil do exotismo
que dizem descobrir na nossa raça.

Deixa que os outros cantem o teu corpo,
na captação atónita do viço
e fiquem sempre, toda a vida, a olhar
um muro de mistério e de feitiço...

Deixa que os outros cantem o teu corpo
- que eu canto do mais fundo do teu ser,
ó minha amada, eu canto a própria África,
que se fez carne e alma em ti, mulher!


Geraldo Bessa Victor

7.7.11

Os Dias Bons


Na fotografia: Mrs. Stanford Steinbeck, Gwyndolyn, Thom and John Steinbeck
(Cuernavaca, Mexico, 1945 )
Contributing Institution: The Bancroft Library. University of California, Berkeley.


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A Grande Inteligência é Sobreviver

A grande Inteligência é sobreviver.
As tartarugas portanto não são teimosas nem lentas, dominam;
SIM, a ciência.
Toda a tecnologia é quase inútil e estúpida,
porque a artesanal tartaruga,
a espontânea TARTARUGA,
permanece sobre a terra mais anos que o homem.
Portanto,
como a grande inteligência é sobreviver,
a tartaruga é Filósofa e Laboratório,
e o Homem que já foi Rei da criação
não passa, afinal, de um crustáceo FALSO,
um lavagante pedante;
um animal de cabeça dura. Ponto.



Gonçalo M. Tavares in Investigações. Novalis

Os Convencidos da Vida

Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.
Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força.
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?

(...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil.
Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro.
Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi.

Alexandre O'Neill (1924-1986) in Uma Coisa em Forma de Assim

6.7.11

Os Dias Bons

na fotografia: Paulo de Carvalho, Simone de Oliveira e Ary dos Santos






O Inventário da Nossa Civilização


Fazer o inventário ou uma análise da nossa civilização, quer dizer o quê? Procurar esclarecer, de uma maneira rigorosa, a armadilha que fez do homem escravo das suas próprias criações. Por onde se infiltrou a inconsciência entre a acção e o pensamento metódicos? Na vida selvagem, a evasão constitui uma solução preguiçosa. É preciso reencontrar, na própria civilização em que vivemos, o pacto original entre o espírito e o mundo. De resto, trata-se de uma tarefa impossível de concretizar, por causa da brevidade da vida e da impossibilidade da colaboração e da sucessão. O que não é razão para não a empreender. Estamos todos em situação análoga à de Sócrates, o qual, enquanto esperava a morte na prisão, aprendeu a tocar lira... pelo menos, teremos vivido...

Simone Weil (1909-1943) in A Gravidade e a Graça

A Chave do Desejo

.

Todos os desejos são contraditórios como o do alimento. Gostaria que aquele que amo me amasse. Mas se ele me for totalmente dedicado, deixa de existir, e eu deixo de o amar. E enquanto não me for totalmente dedicado, não me amará o suficiente. Fome e saciedade.
O desejo é mau e ilusório, mas, no entanto, sem o desejo não esquadrinharíamos o verdadeiro absoluto, o verdadeiro ilimitado. É preciso ter passado por isto. Infelizes os seres a quem o cansaço subtrai esta energia suplementar que é a fonte do desejo.

Infeliz, também, aquele a quem o desejo cega.


É preciso arrastar o desejo até ao eixo dos pólos.

Simone Weil (1909-1943) in A Gravidade e a Graça

4.7.11

Os Dias Bons

Sylvia Plath e Ted Hughes em Paris, Agosto de 1956

3.7.11

Quem ainda tem tempo e espaço em si para ler poemas como este?

WUTHERING HEIGHTS

Os horizontes apertam-me como feixes,
encurvados e retorcidos mas sempre instáveis.
Tocados por um fósforo, talvez pudessem aquecer-me,
e as suas finas varas queimar
ao de leve o ar cor de laranja
antes de as distâncias que os prendem se evaporarem,
enchendo o pálido céu de uma cor mais sólida.
Mas apenas se dissolvem, dissolvem-se
como um conjunto de promessas, enquanto dou um passo mais.

Não há vida para lá das ervas dos montes
ou do coração das ovelhas, e o vento
irrompe como o destino, obrigando tudo
a vergar-se na mesma direcção.
Posso senti-lo a tentar
encurralar o meu lume.
Se eu der às raízes da urze
demasiada atenção, pode convidar-me
a purificar junto dela os meus ossos.

As ovelhas sabem onde estão,
pastando nas suas nuvens de lã enlameadas,
cinzentas como o dia,
as pegadas pretas das mais pequenas levam-me para casa.
É como ser expedido por correio para o espaço,
uma mensagem breve e tonta.
Ficam por ali disfarçados de avós,
com as suas perucas encaracoladas e os dentes amarelos
e balidos altos e marmóreos.

Chego abrindo sulcos e afastando a água
não limpa como a solidão
que corre pelos meus dedos,
os degraus que nada tinham enchem-se de erva e mais erva;
os dintéis e os peitories saíram dos gonzos.
Das pessoas o ar só
lembra algumas sílabas esquisitas.
Recita-as num lamento:
pedra negra, pedra negra.

O céu encosta-se a mim, a mim, o único ser de pé
entre tanta coisa horizontal,
As ervas abanam furiosamente.
São demasiado delicadas
para viver em tal companhia;
A escuridão aterroriza-as.
Agora, nos vales estreitos
e negros como porta-moedas, a casa acende
raios de luz como se fossem dinheiro trocado.

Sylvia Plath (27-11-1932 /11-02-1963)