24.11.16

Árvore



“Sê atrevido – e levanta, nem que seja só em imaginação, a tua própria árvore, nos sítios mais inesperados.

E principalmente que ela atravanque tudo, suspenda a lufa-lufa dos negócios, se oponha, escandalosa, aos frenéticos automobilistas e os obrigue a fazer grandes desvios, para não baterem nela e nela acabarem por apodrecer encaixotados, como pobres mortais que são.”

(1974, Dia Mundial da Árvore)

Alexandre O´Neill (1924 – 1986)

20.11.16

Um artigo para pensar: "LIÇÕES DA AMERICA" no DN

Há uma espécie de concurso entre as elites europeias e americanas de esquerda: quem insulta mais Donald Trump? Quem consegue escolher os epítetos mais violentos? Racista, boçal, cretino, sexista, corrupto, inculto e xenófobo estão entre os mais utilizados. Isto para além das classificações brandas de fascista e populista.
No entanto, o problema não é o de qualificar Trump nem de sublinhar a sua incultura e a sua falta de sofisticação. O problema consiste em saber por que razão foi eleito. Contra a opinião sondada e publicada, este senhor foi escolhido por 60 milhões de americanos que, creio, não são todos racistas, machistas, bandidos, milionários, fascistas e corruptos. E, se fossem, a questão era ainda mais difícil: como é possível que houvesse tantos assim?
O problema não é o de classificar os defeitos de Trump e seus apoiantes nem de mostrar como são violentos, intolerantes, xenófobos e déspotas. O problema é o de saber por que razões perderam os virtuosos, os democratas, os liberais, os intelectuais, os jornalistas e os artistas. O problema é o de saber por que razão os pobres, os desempregados e os marginalizados não votaram em quem deveriam votar, isto é, em quem pensa que a solidariedade, a segurança social, o emprego e a igualdade são exclusivos dos democratas e das esquerdas.
As esquerdas em geral, incluindo artistas, intelectuais, jornalistas, liberais americanos e progressistas europeus, não suportam não ter percebido nem ter previsto o que aconteceu. Como não admitem que são, tantas vezes, responsáveis pelas derivas políticas dos seus países.
Já correm pelo mundo explicações fabulosas sobre estas eleições. As mais hilariantes são duas. Uma diz que, além dos machistas e dos racistas, votaram em Trump os analfabetos, os desesperados, os marginalizados pelo progresso, os desempregados e os supersticiosos. A outra diz que o fiasco das sondagens, dos estudos de opinião e dos jornalistas se deve ao facto de os reaccionários terem vergonha de dizer em quem votariam! Por outras palavras: quem não presta votou em Trump; e quem votou em Trump enganou-nos!
Tal como os democratas em geral, as esquerdas atribuem sempre as culpas das suas derrotas aos defeitos dos outros, da extrema-direita, dos ricos, dos padres, dos fascistas, dos proprietários, dos patrões, dos corruptos e agora dos populistas. Não pensam que os culpados são ou também são eles, os democratas, ou elas próprias, as esquerdas. Raramente se dão conta de uma verdade velha, com dezenas de anos, mas sempre esquecida: as democracias não caem por serem atacadas, não são derrubadas pelos seus inimigos, caem por sua própria responsabilidade, porque enfraquecem, porque se dividem, porque perdem tempo e energias com quezílias idiotas e porque deixam que o sistema político perca de vista as populações. Também, finalmente, porque acreditam nas suas virtudes, porque confiam na sua racionalidade e porque consideram que têm o exclusivo da bondade e da compaixão.
As esquerdas (nas suas versões americana e europeia) apresentam-se cada vez mais como uma soma de sindicatos e de clientelas: mulheres, negros, operários da indústria, desempregados, pensionistas, homossexuais, artistas, intelectuais, imigrantes, latinos ou muçulmanos. Todas as minorias imagináveis, incluindo as mulheres que o não são. Às vezes, resulta. Mas acaba sempre por não resultar. As esquerdas abandonaram as ideias e os direitos universais dos cidadãos e valorizam as suas circunstâncias étnicas, sociais ou sexuais. Como também abandonaram a capacidade de pensar a identidade nacional, entidade ainda hoje vigorosa e reduto de referências pessoais e culturais.
Acima de tudo, a arrogância e a superioridade moral, cultural e política das esquerdas têm destes resultados: afastam-nas do povo e favorecem os inimigos da democracia.

António Barreto 13-11-2016 no Diário de Notícias

Soyuz rendezvous and docking explained

16.11.16

se um dia destes parar não sei se morro logo,

se um dia destes parar não sei se morro logo,
disse Emília David, a padeira,
não sei se fazer um poema não é fazer um pão
um pão que se tire do forno e se coma quente ainda por entre as 
linhas
um dia destes vejo que não vou parar nunca,
as mãos súbito cheias:
o mundo é só fogo e pão cozido,
e o fogo é que dá ao mundo os fundamentos da forma,
pão comprido nas terras de França,
pão curto agora nestes reinos salgados,
se parar não sei se não caio logo ali redonda no chão frio
como se caísse fundo em mim mesma,
ã mão dentro do pão para comê-lo
- disse ela

Herberto Helder in A Morte sem Mestre, 2014

11.11.16

What I’m Doing Here


I do not know if the world has lied
I have lied
I do not know if the world has conspired against love
I have conspired against love
The atmosphere of torture is no comfort
I have tortured
Even without the mushroom cloud
still I would have hated
Listen
I would have done the same things
even if there were no death
I will not be held like a drunkard
under the cold tap of facts
I refuse the universal alibi
Like an empty telephone booth passed at night
and remembered
like mirrors in a movie palace lobby consulted only on the way out
like a nymphomaniac who binds a thousand
into strange brotherhood
I wait
for each of you to confess

poem by Leonard Cohen in Flowers for Hitler, 1964

Leonard Cohen - Closing Time

uma homenagem a Leonard Cohen por Miguel Esteves Cardoso

Meu grande sacana,
Passámos um fim-de-semana juntos em que me fizeste esquecer que eras o meu herói. Quando acabou fiquei com dois heróis: com o Leonard Cohen das canções e com o Leonard Cohen em carne e osso.
Embebedámo-nos com Bloody Marys e, a certa altura, tu reparaste que eu tinha a mania de desdizer o que tinha acabado de dizer. Eu disse-te que era um tique português. Primeiro afirma-se um disparate ou uma verdade. Depois continua-se “E, no entanto…”
“And yet!”, gritaste, “the two greatest words in any language!” Depois desataste a dar exemplos. A uma mulher que te amava e queria casar contigo: “I love you… AND YET… I cannot marry you this year”. Ao barman: “Bem sei que já bebi a minha conta… AND YET… apetece-me outro Bloody Mary”.
Prometemos escrever um ao outro. Quando eu falhei mandaste-me um telegrama com duas palavras e três pontos: “AND YET…”
Depois da notícia quase funerária no New Yorker fizeste questão de aparecer em Los Angeles a dizer que, quando disseste que estavas pronto para morrer, estavas a ser dramático. Fizeste-nos rir. Prometeste viver até aos 120 anos. Prometeste-nos mais dois álbuns de canções.
Mentiroso! Sempre foste o mais sublime dos mentirosos. Nem era preciso mentires: eu julgava que ias viver para sempre, como sempre tinhas vivido. Agora morreste e obrigas-me a escrever estas palavras lavadas em lágrimas. AND YET… E, no entanto, tiveste uma vida feliz. Fizeste o que querias. Amaste e foste amado. Trabalhaste nas canções mais bonitas e elevadas do nosso tempo. Já há mais de 60 anos que andaste a falar com Deus, a preparar o teu caminho. Foste um pecador de primeira AND YET… E, no entanto, algo me diz que vais ser muito bem recebido no reino dos céus, se fôr para aí que combinaste ir.
Deixaste-nos. Avisaste muitas vezes que nos ias deixar. Deixar tornou-se a tua especialidade. Ninguém se despedia tão bem como tu. Ninguém dava à sola tão depressa como tu, tão bem vestido, com sapatos feitos para percorrer as grandes distâncias do amor e da vida.
Partiste e, no entanto, continuas cá. Eu vi o tamanho do teu caderno gigante, cheio de versos e desenhos. Espero bem que haja centenas de canções que tu julgaste que ainda não estavam prontas, mas que estão.
Agora que morreste escusamos essas canções de serem perfeitas, como aquelas que escreveste e cantaste enquanto eras vivo. Enquanto eras vivo - estas palavras ainda custam mais a escrever do que a simples palavra “morreste”.
Sabes porquê? Aposto que ainda sabes mais, aí no lugar onde estás, na Tower of Song. Porque “morreste” ainda é uma coisa que tu fizeste. Morreste, sacana. É uma coisa de que podemos acusar-te; é um verbo que podemos atirar-te à cara. Em contrapartida “enquanto eras vivo” já pertence a um passado em que já fizeste tudo o que tinhas para fazer, incluíndo morrer.
Uma pessoa tem de morrer. E até a morrer foste um senhor. Pouco antes de morrer - sabemos agora - percorreste o mundo para cantar as tuas canções a quem quisesse ver-te a cantá-las. E melhor do que em qualquer outra altura da tua vida. Tu foste daqueles que melhoram à medida que se aproximam da morte. Aproximaste-te devagarinho, sem ser a medo, como se a morte fosse a última mulher. Cantaste-lhe a canção do bandido - nunca ninguém será capaz de cantá-la melhor do que tu - a ver se ela ia na tua cantiga. Deitaste-te com ela na esperança que ela te esquecesse. And yet e, no entanto (aqui sinto-te a sorrir) ela deu cabo de ti à mesma.
Toda a vida dançaste com Deus e com a morte – às vezes eram mulheres, outras vezes professores – e algumas dessas vezes acabaram como canções, divinas de amor e de vida, escritas por quem conheceu a alegria e a tristeza de amar e viver e viver e amar.
Morreste, Leonard Cohen e, no entanto, continuas vivíssimo para quem já morreu. Hoje de manhã, quando ouvi You Want It Darker, como faço todas as manhãs desde que saiu o álbum, pensei que ia chorar, por ser a primeira vez que o ouvi sabendo que estavas morto. Mas não chorei. As canções fizeram o que sempre fizeram: encheram-me de força, abriram-me ao medo e à beleza de estar vivo.
Adeus, Leonard Cohen, dizemos nós como se não soubéssemos que já lá estás.

Miguel Esteves Cardoso in Público 11.11.2016

10.11.16

Onde está a sabedoria?


Onde está a sabedoria que nós perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que nós perdemos na informação?

T.S. Eliot (1888 - 1965)

9.11.16

Bom dia Europa

Agora multiplicam-se as reacções de indignação pela vitória de Trump, mas esquecemo-nos que ele foi eleito democraticamente. Deveríamos estar a pensar porque é que isto aconteceu e o que acontecerá provavelmente um dia destes também na Europa. A política das últimas décadas falhou em demasiadas áreas, há um descrédito enorme pelas instituições e pelo poder. Nada está garantido e o mundo está cada vez mais dividido. Cabe aos conscientes e aos responsáveis acordar as hostes para que um dia não acordemos num Mundo irreconhecível.


6.11.16

David Bowie & Pat Metheny Group - This Is Not America (official video re...

O que sobrou da "nossa" America sonhada?

O que sobrou da "nossa" America sonhada? 
Talvez a vastidão do espaço e a força de uma natureza que nos transmite uma ideia de liberdade