23.7.14

As imagens bastam a si próprias

As imagens bastam a si próprias. Elas são a sua própria resposta. Porque é impossível recusar certas imagens. Estão demasiado saturadas na sua ingenuidade para não revelarem muito daquilo que calam: a bandeira das riscas e das estrelas a ondular na ilha de Iwo Jima; a pegada monstruosa de Neil Armstrong na superfície da Lua; os martelos caseiros com cabos de madeira a desfazer em pedaços o Muro de Berlim. Na sua surpreendente profundidade, seria necessário poder decifrar ao mesmo tempo a situação concreta que escondem, os valores que oferecem como verdadeiros e nos transmitiram, e só em última instância, sob camadas e camadas de significação, como o seio veio mais íntimo e mais secreto, como uma nascente subterrânea, a operação real que se procurou e acerca da qual as imagens não oferecem mais do que uma tradução simbólica: a Vitória, o Orgulho, a Liberdade. De modo que consigo intuir que o holocausto desta manhã, no outro lado do oceano, implicará uma nova dimensão do alfabeto icónico:a Morte no Paraíso sempre foi um tema predilecto para os profetas.
A nossa doença, Alphone, a herdada  do século mais terrível da hermenêutica. Nada provoca tanto desconsolo como uma palavra supérflua. O meu anseio de pintor, que foi sempre mostrar o mundo na sua feroz intensidade, entrou e continua a entrar em conflito com o nosso tempo, que se construiu como uma tempo de comerciantes de palavras. Hoje sei que tenho razão. Mas, por isso, paguei uma pesada portagem.
O lugar de onde provenho é um lugar órfão de palavras, um lugar que adquire pleno sentido no gesto do desenho, no matiz da cor, na profundidade da matéria. E o resto, como disse o grande bardo, deveria ser silêncio.
Claro que o silêncio nos esmaga. Detectamos no silêncio uma incomodidade natural que nos obriga a arrastar-nos por um bosque de palavras. Lembras-te do que escreveu o velho Goethe no fim da sua vida? " Tudo está aí e eu não sou nada". Essa é a minha religião (...)

Ricardo Menéndez Salmón, in A luz é mais antiga que o amor, Uma carta (1) 

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