15.11.15

O medo e o resto

"Comecemos por falar daquilo com que poderíamos concluir: o medo. A Europa percebeu que se torna mais vulnerável à medida que se intensifica a guerra de múltiplas frentes na Síria. A carnificina de Paris não é apenas uma declaração de guerra do Estado Islâmico (EI) à França — visa também a Europa, em plena crise dos refugiados. A sua mais sinistra ameaça resume-se num dito de Bin Laden: “Nós temos jovens que amam a morte mais do que vós amais a vida.”
O terror do EI tem um desígnio estratégico com muitos vectores: demonstrar a força dos jihadistas e galvanizar os adeptos, provocar a partir do medo recíprocas reacções de ódio para romper as críticas pontes entre a Europa e as suas comunidades islâmicas e, enfim, fazer inflectir a política dos Estados europeus que intervêm na Síria, no Iraque ou na África, e também dissuadir os outros de o perseguirem.
O medo é uma das mais poderosas paixões. Dele escreveu Georges Bernanos a partir da sua experiência na Guerra Civil de Espanha: “O medo, o medo verdadeiro, é um delírio furioso. De todas as loucuras de que somos capazes, o medo é a mais cruel. Nada iguala o seu vigor, nada pode suster o seu choque. A cólera, que se lhe assemelha, não passa de um sentimento passageiro, uma brusca dissipação das forças da alma. Para mais é cega. O medo, ao contrário, desde que se ultrapasse a primeira angústia, forma com o ódio um dos mais estáveis compostos psicológicos que há.”
O veterano politólogo francês Pierre Hassner, para quem a “desordem” substituiu a “ordem internacional”, fala de medos contraditórios. “Estamos entre dois medos: temos razão de ter medo do terrorismo, mas também de ter medo das medidas que se tomam contra o terrorismo. Os meios de protecção que temos tornaram-se eles próprios ameaçadores, (...) seja pelas ameaças ligadas às exigências da defesa ou pelas ameaças às liberdades individuais que constituem as medidas de segurança adoptadas pelos governos.” Previne contra o modelo da reacção de George W. Bush e dos neoconservadores após o 11 de Setembro.
Escrevia ontem o analista francês François Heisbourg: “É a partir de agora que se joga a derrota necessária — ou a possível vitória dos jihadistas. E em primeiro lugar no plano interno. Será forte a tentação de preparar uma legislação de excepção, rápida e mal feita: um Patriot Act à francesa.”
A derrota do terrorismo será determinada pela reacção da sociedade. E também da escala e do timing da próxima atrocidade, previne a The Economist. Se os cidadãos se convencerem de que os serviços de segurança se tornaram incapazes de lhes assegurar um mínimo de protecção, muito pode mudar, suscitando o agravamento da tensão com as comunidades muçulmanas. “O Estado Islâmico procura desencadear a guerra civil em França”, escrevia ontem no Monde Gilles Kepel, um especialista do islão."
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JORNAL  público  -      -   14/11/2015 - 20:31

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