15.6.17

Um poema

Chegam cedo demais, quando ainda não podem escolher 
nem decidir. Vêm carregados de espectros, de memórias
e de feridas que não souberam sarar; mas trazem a confiança
da cura nas palavras. Convencem-se de que amam outra vez

quando nos tocam os pequenos lugares, esquecendo-se do rumo
incerto dos seus passos nas estradas tortuosas que os 
trouxeram. Abafam-se num cobertor de mentiras sem saber e 
falam de injustiça quando tentamos chamá-los à verdade. 

Dormem de vez em quando nas nossas camas e protegemo-los 
da dor como aos filhos que não iremos ter nunca
porque não nos resignamos a perdê-los. E, um dia, partem, vão 

culpados, não chegam a explicar o que os arrasta. Escrevem
cartas mais tarde - uma ou duas para se aliviarem dessa espada.
E nós ficamos, eternamente, sem vergonha, à espera que regressem. 

Maria do Rosário Pedreira, in Poesia Reunida, ed. Quetzal 

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