5.6.09

O Medo De Nós Próprios

Alfred Hitchcock dando indicações a Kim Novak durante as filmagens de Vertigo (1958)
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"Acredito que se um homem vivesse a sua vida plenamente, desse forma a cada sentimento, expessão a cada pensamento, realidade a cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época medieval e regressaríamos ao ideal helénico, possivelmente até a algo mais depurado e mais rico do que o ideal helénico. Mas o mais corajoso homem entre nós tem medo de si próprio. A mutilação do selvagem sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida. Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que tentamos estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e acaba com o pecado, porque a acção é um modo de expurgação. Nada mais permanece do que a lembrança de um prazer, ou o luxo de um remorso. A única maneira de nos livrarmos de uma tentação é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro, e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo."
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Oscar Wilde in O Retrato de Dorian Gray
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2 comentários:

  1. Sim, mas como é possível uma vida em sociedade, numa sociedade com algum grau de complexidade e sofisticação, com um homem livre? Uma coisa contradiz a outra. Estarmos juntos sem nos destruirmos (mais) obriga-nos a sermos menos do que poderiamos ser. O compromisso limita o potencial. Os bons selvagens podem ser bons, mas são muito chatos.

    Por outro lado, "se um homem vivesse a sua vida plenamente", dando "expressão a cada sentimento", estaríamos num mundo em que os humanos já não eram humanos, já não se magoavam, já não tinham expectativas sobre si e sobre os outros, que já não tinham necessidades desequilibradas.

    O "ideal helénico" era maravilhoso - menos para os escravos sem direitos que sustentavam a economia que possibilitava o "ideal helénico".

    Paulo

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