Os pássaros de Londres
cantam todo o inverno
como se o
frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito
automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros
de Londres
falam de esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se
derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins
germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a
vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o
tudo e o nada
os pássaros de Londres
quando termina o dia
e o
sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz razante e forte
que
dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro
verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros
deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos
Mário Cesariny in Poemas de Londres
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