A verdade é amor — escrevi um dia. Porque toda a relação com o
mundo se funda na sensibilidade, como se aprendeu na infância e não mais se pôde
esquecer. É esse equilíbrio interno que diz ao pintor que tal azul ou vermelho
estão certos na composição de um quadro. É o mesmo equilíbrio indizível que ao
filósofo impõe a verdade para a sua filosofia. Porque a filosofia é um excesso
da arte. Ela acrescenta em razões ou explicações o que lhe impôs esse
equilíbrio, resolvido noutros num poema, num quadro ou noutra forma de se ser
artista. Assim o que exprime o nosso equilíbrio interior, gerado no impensável
ou impensado de nós, é um sentimento estético, um modo de sermos em
sensibilidade, antes de o sermos em. razão ou mesmo em inteligência. Porque só
se entende o que se entende connosco, ou seja, como no amor, quando se está
«feito um para o outro». Só entra em harmonia connosco o que o nosso equilíbrio
consente. E só o consente, se o amar. Porque mesmo a verdade dos outros — a
política, por exemplo — se temos improvavelmente de a reconhecer, reconhecemo-la
talvez no ódio, que é a outra face do amor e se organiza ainda na sensibilidade.
Vergílio Ferreira in Pensar
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