6.6.12
Carta ao Futuro
Sim: gritar, protestar é bom. Destruir a evidência de um erro é
sentir a utilidade das mãos que destroem, é exaltar as forças do espírito na
maravilha indizível da descoberta - desde criança o sabemos; por isso os
brinquedos que nos davam só eram bem nossos, só nós éramos bem nós em face
deles, depois de lhes tentarmos o segredo pela destruição... As pessoas
sensatas, essas que sabiam não haver senão morte para lá da beleza aparente,
aconselhavam-nos a sua sensatez. Mas nós tínhamos as nossas mãos desocupadas e a
angústia da interrogação. Destruir, negar. As mãos que desmantelam a ordem
envelhecida são ainda a nossa própria vida, transmitem-nos a certeza de que há
um mundo e nós no meio dele, identificam a inteira verdade do nosso corpo que
age e é eficaz; e o rumor dos nossos gritos afoga as vozes obscuras e
importunas, a nossa voz derradeira, ilude-nos a resposta à interrogação que nos
espera, inventa-nos no NÃO essa ilusão de plenitude que nós buscamos no SIM.
Vergílio Ferreira, in Carta ao Futuro
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