A consciência que te acompanha no que vais sendo é o puro registo
disso que vais sendo para o poderes ler, se quiseres, depois de já ter sido. Mas
no instante de seres o que és, o que és é apenas, por uma decisão anterior ao
decidires. O que és é-lo onde a tua realidade profunda em profundeza obscura se
realizou. O que és é-lo no absoluto de ti. A consciência testifica-nos apenas
como o ser privilegiado que sabe o que é por aquilo que vai sendo e pode assim
reconverter-se à posse iluminada disso que vai sendo. A consciência constata mas
não interfere senão para se não ser mais o que se foi, ou mais rigorosamente,
para se não querer ser o que se é - o que é ser-se ainda, embora de outra
maneira.
Porque se neste instante me sobreponho, ao que sou, outra maneira de ser
- a consciência que me altera o primeiro modo de ser é a paralela iluminação do
modo de ser segundo. Decidi ainda antes de decidir, quando decidi não ser o que
primeiramente decidira. Assim no torvelinho dos actos que me presentificam e da
consciência desses actos, sempre o insondável de nós se abre para lá do que
podemos sondar. Sempre a realidade de nós é a realidade original que na origens
se gera. Sempre a autenticidade de nós está a uma distância infinita das razões
que a justificam.
Vergílio Ferreira in Invocação ao Meu Corpo
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