16.3.09

Sem que ninguém saiba, nem o espelho

Estive a visionar o programa Câmara Clara , hoje dedicado à Argentina. Fiquei com saudades de revisitar Jorge Luis Borges , o escritor que ensina a fazer as pazes com o tempo, o escritor que dá um sentido aos últimos 10.000 mil anos da humanidade. E o canta com um saber tão antigo como a mais antiga pergunta sem resposta. Há na sua escrita o tempo dos tempos, a decifração dos ecos, das juras e, por conseguinte, o infinito, que agrega na sua infinita possibilidade a vida, o rosto de todos os homens.
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ELEGIA
Sem que ninguém saiba, nem o espelho,
ele chorou umas lágrimas humanas.
Não pode suspeitar que comemoram
todas as coisas que mercem lágrimas:
a beleza de Helena, que não viu,
o sempre irreparável rio dos anos,
a mão de Jesus Cristo no madeiro
de Roma, as velhas cinzas de Cartago,
o rouxinol dos húngaros e persas,
a ansiedade que aguarda, a breve sorte,
de marfim e de música, Virgílio,
que cantou os trabalhos das espadas,
as configurações de tantas nuvens
de cada novo e singular ocaso
e a amanhã que depois será a tarde.
Do outro lado de uma porta um homem
feito de solidão, de amor, de tempo,
acaba de chorar em Buenos Aires
todas as coisas.
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Jorge Luis Borges in A Cifra, 1981
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